domingo, 17 de novembro de 2013

DOS CONSULTÓRIOS AOS TRIBUNAIS


ZERO HORA 17 de novembro de 2013 | N° 17617

HUMBERTO TREZZI E JULIA OTERO

A JUSTIÇA EM PÍRULAS


Com 113 mil processos em tramitação, o Rio Grande do Sul concentra 51% dos processos em todo o país envolvendo remédios ou tratamentos médicos


Um depósito com quase um quarteirão de tamanho, trancado como uma caixa-forte, armazena em Porto Alegre dezenas de milhares de medicamentos comprados pela Secretaria Estadual de Saúde (SES) para distribuir a doentes. Grande parte do dinheiro investido na compra desses remédios só sai via ordem judicial.

O depósito estatal está sempre cheio porque os gaúchos nunca reivindicaram tanto tratamento de saúde à Justiça. Os tribunais são a arena na qual pacientes, advogados, médicos e promotores se digladiam pelo destino de verbas milionárias, gerenciadas pela União, pelos 27 Estados e pelos mais de 4 mil municípios brasileiros. Com 113 mil processos em tramitação, o Rio Grande do Sul desponta como campeão nacional das ações judiciais no campo da saúde. Mais da metade dos processos envolvendo remédios ou tratamento médico, no país, tramita em território gaúcho. O número é do último levantamento do Conselho Nacional de Justiça, realizado em 2011.

Apenas no campo de medicamentos: dos R$ 316 milhões gastos este ano pela SES, R$ 192 milhões (64%) foram via judicial. Com essa verba seria possível erguer 128 Unidades Básicas de Saúde em um ano. E 306 postos desse tipo nos três últimos anos, mais da metade do número necessário para o Rio Grande do Sul, segundo a estimativa governamental.

Recorrer à Justiça é um direito. O problema é que algumas das demandas dos pacientes são polêmicas, pela duvidosa comprovação científica do tratamento requisitado ou pelo seu altíssimo custo.

Se comparado com o universo de 80 milhões de ações que tramitam por ano em todos os fóruns, não são muitos processos. Mas os valores movimentados pela saúde são milionários. Nas varas judiciais pede-se de tudo um pouco, de produtos básicos como o AAS (para dor de cabeça) até medicamentos que custam milhares de reais ao mês, como o interferon peguilado (para tratar Hepatite C). De cirurgias de menisco a tratamentos contra todo o tipo de câncer. De comidas especiais para quem tem intolerância alimentar até dietas repletas de chocolates, docinhos de leite condensado e outras guloseimas – que o advogado garante serem indispensáveis para o paciente.

Será que todos os tratamentos reivindicados à Justiça são necessários?

– Nunca se tomou tanto remédio e em doses tão exageradas – resume Leonildo Mariani, assessor técnico da Federação das Associações de Municípios-RS (Famurs), especialista em judicialização da saúde.

O mapa ao lado dá dimensão da opção dos gaúchos pelos tribunais. Estados como o Paraná, com população semelhante, soma apenas 2.609 ações. São Paulo, com seus 41 milhões de habitantes, tem 44,6 mil ações – menos da metade do Rio Grande do Sul.

O governo do Estado costuma contestar pedidos via judicial, mas na maioria das vezes acaba obrigado a financiar a demanda, num custo que, ao final, é bancado pelo contribuinte. É raro magistrados desconfiarem dos pedidos dos pacientes. Ações nem sempre são justificadas, como evidencia esta reportagem, feita em 45 dias de investigação. Alguns casos que serão mostrados nas próximas páginas:

- Médicos que cobram duas vezes ou mais o valor da cirurgia, se o processo for via judicial, porque acreditam que o Estado pode pagar mais que o cidadão comum.

- Profissionais pouco criteriosos em recomendar cirurgias, em desacordo com protocolos do Ministério da Saúde e dos próprios conselhos de Medicina.

- Pacientes que ingressam na Justiça exigindo dinheiro do Estado, mesmo podendo custear o tratamento.

- Esquemas delituosos entre fornecedores de medicamentos e intermediários de pacientes, como advogados.

O governo do Estado recebe por mês cerca de 5,6 mil pedidos de tratamento, remédios ou cirurgias via administrativa e cerca de 2 mil através de processos judiciais (os mais caros). Os gastos com a judicialização de medicamentos, na secretaria, são crescentes: R$ 141 milhões em 2011, R$ 127 milhões em 2012 e R$ 192 milhões até outubro de 2013. Um salto de 36% em dois anos – e 2013 ainda não terminou.

O rombo só não é maior porque as autoridades têm se reunido para convencer juízes a olharem com critério cada pedido, antes de serem generosos com a verba pública.


NOTA 

Dos R$ 316 milhões gastos com remédios este ano pela Secretaria Estadual de Saúde (SES),
R$ 192 milhões (64%) foram via judicial – despesa que o governo acredita que não deveria ter, mas foi obrigado a custear. Com essa verba seria possível erguer 128 Unidades Básicas de Saúde em um ano.


OS INTERESSES EM JOGO

Ninguém é contra o governo custear medicamentos e tratamentos, desde que os pedidos tenham critério.

Esta é a síntese do que pensam especialistas ouvidos por Zero Hora. O desafio é reduzir a judicialização, garantindo um bom atendimento à população.

Coordenador do Comitê Executivo Estadual do RS do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde, o juiz Martin Schulze ressalta que o SUS já propicia atendimento à maioria dos pacientes. Por isso, tratamentos experimentais só devem ser custeados se antes o governo financiar o básico para todos.

– Não é isso que acontece em muitos casos judicializados: gente desesperada busca na Justiça recursos milionários para tratamentos duvidosos. Outro problema é o lobby de laboratórios e indústrias farmacêuticas, que estimulam o ingresso na Justiça por produtos que não constam na lista do SUS – diz o juiz.

Se tentassem emplacar lançamento de novas drogas junto à Comissão Incorporadora de Tecnologias (Ministério da Saúde), os laboratórios teriam dificuldade e precisariam se submeter a licitações, envolvendo concorrentes e baixos preços, opina Leonildo Mariani, assessor técnico da Federação das Associações de Municípios-RS (Famurs).

– Pela judicialização, fabricantes de medicamentos conseguem vender por maior preço e sem concorrência, já que o pedido de tratamento é atendido rapidamente, via liminar.


COMBINAÇÃO QUE ENGANOU MUNICÍPIO


Com um quadro grave de hepatite C e anemia, o aposentado Rui Hendges necessita de medicamentos que custam muito acima dos seus vencimentos mensais. Morador de Arroio do Meio, no Vale do Taquari, ele ingressou na Justiça para obter os remédios. Conseguiu apoio da Defensoria Pública, que providenciou o tratamento. Tudo estaria nos conformes se a filha de Hendges, Mariela, não tivesse estranhado os valores da medicação.

Para buscar na Justiça medicamentos que não integram a lista disponível nas redes básicas, pacientes necessitam apresentar, junto à Defensoria Pública, atestado médico constatando a doença, receituário informando por quanto tempo o medicamento será usado, e três orçamentos de farmácias distintas. No triplo orçamento que Mariela passou para a Defensoria, o custo era de no máximo R$ 6 mil mensais. Já o produto que chegou ao pai dela tinha sido adquirido numa farmácia em Lajeado por R$ 8,3 mil.

– Sempre pensei que a compra do remédio seria pelo menor preço, já que o Estado é quem paga. Decidi questionar o fato, ainda mais que a compra era em outra cidade. Tudo muito estranho – relata Mariela.

O próprio juiz que autorizara a compra, João Regert, sugeriu uma investigação, que foi feita em conjunto pela Polícia Civil e pelo Ministério Público. Conforme apuração policial, a suspeita é de que o orçamento para compra de medicamentos tenha sido fraudado pelo estagiário da Defensoria Pública, um estudante de Direito. Supostamente em combinação com uma rede de farmácias de Lajeado, o preço era superfaturado, em ações movidas contra o Estado. O universitário Guilherme Pinheiro teria favorecido o proprietário da farmácia Ideal de Lajeado, Emanuel Lazzari Pinto, e a companheira dele, que administra outra farmácia da rede. A mulher foi excluída da ação, mas Guilherme e Emanuel são réus no processo criminal 08/2.13.0000913-1, que apura estelionato e fraudes. E foi proposta também ação por improbidade contra eles.

A investigação, conduzida pelo delegado João Seelig, detectou 13 processos nos quais foram adquiridos medicamentos por preço maior que o praticado em Arroio do Meio. As compras eram direcionadas à rede de farmácias de Lajeado ou as notas eram tiradas em nome da farmácia Vera, pertencente à mãe do dono da rede de farmácias lajeadenses, mas situada em outra cidade.

Conforme as investigações, o ex-estagiário e estudante de Direito solicitava três orçamentos de farmácias locais. Anexava os documentos na ação e encaminhava à defensora, que confiava no subordinado e entrava com o processo no Judiciário. Nesse momento, ocorria a suposta irregularidade.

A fraude teria ocorrido entre maio e novembro de 2012, conforme documentos apreendidos nas casas dos denunciados. A quebra de sigilo bancário mostrou que, apesar de receber salário de R$ 800 mensais, o estagiário tinha depósitos acima de R$ 13 mil na conta do banco.


PROCEDIMENTOS SOB INVESTIGAÇÃO


Em Pelotas, no sul do Estado, o Ministério Público instaurou 15 inquéritos e analisa mais de 70 cirurgias feitas mediante autorizações judiciais que estariam sob suspeita.

Dez médicos são investigados pela suspeita de manipular orçamentos para cirurgias e forçar o Estado a pagar por procedimentos valores muito acima dos custeados pelo SUS.

Em 2009, quando as cirurgias judiciais começaram a ganhar força porque o município deixou de fazer alguns tipos de procedimentos traumatológicos, o médico Bruno Madrid Francisco, um dos investigados pelo MP, orçou em R$ 8 mil uma prótese de quadril.

Dois anos depois, o mesmo médico orçou a mesma cirurgia por um preço quatro vezes maior: R$ 32 mil. O salto motivou abertura de investigação pela promotora de Justiça Rosely de Azevedo Lopes.

– Alguns médicos viram que era um ganho fácil e começaram a orçar grandes valores. Como a lei prevê que haja outros orçamentos no processo para garantir o menor valor, eles passavam para seus colegas, tudo previamente combinado – explica a promotora.

O MP também calcula que o município e o Estado tenham gasto, de 2009 até 2011, mais de R$ 1,3 milhão em decisões judiciais – o que, segundo Rosely, seria suficiente para quitar com as mais de 600 cirurgias eletivas ainda pendentes no município.

Um exemplo de como o município começou a reverter essa situação é o de uma ex-diarista de 52 anos, que recorreu à Justiça após esperar oito anos por uma prótese no joelho. Ficava desequilibrada ao caminhar, mesmo com ajuda de muleta.

Na Justiça, a paciente obteve o direito de fazer o procedimento, que seria pago pela prefeitura, com o médico Renan de Oliveira Barbosa. A cirurgia custaria, incluindo internação e honorários, R$ 32.182. Inconformada, a prefeitura recorreu e conseguiu que o mesmo procedimento, feito pelo SUS, custasse R$ 1.154.

– Quando vemos que a cirurgia pleiteada é atendida pelo SUS, encaminhamos para o SUS. Não tem porque pagar algo que a prefeitura já tem acesso – informa o gerente da assessoria técnica da Secretaria Municipal de Saúde, Nelson Martins Soares Sobrinho.

A paciente diz que não sabia que o médico pleiteado por ela cobrava tanto.

– Se um médico diz que custa tanto, eu vou acreditar, né? Não sou médica – diz.


CONTRAPONTOS

Médico Bruno Anderson Madrid Francisco - Sobre ter cobrado R$ 8 mil e, dois anos depois, para a mesma cirurgia, R$ 32 mil, somente de honorários médicos, afirma que o preço varia conforme a necessidade de cada paciente, e que embora tenha a mesma moléstia, cada pessoa pode necessitar de tratamentos distintos, dependendo de suas condições físicas. Sobre o valor do orçamento de Regina, ele também afirma que inclui no valor o acompanhamento periódico.

Médico Renan de Oliveira Barbosa - Afirma que cobrou o valor particular, que considera correto para o caso desta complexidade. Também diz que o preço inclui o acompanhamento hospitalar, auxílio cirúrgico de um colega ortopedista, curativos e consultas no consultório particular até plena recuperação pós-cirúrgica, que pode levar até um ano.


CONSULTAS SEM O PACIENTE

Zero Hora procurou os nove traumatologistas de Pelotas que estão na mira do Ministério Público. Apenas dois deles, André Guerreiro e Nelson Luiz Saab, concordaram em fazer orçamento sobre cirurgia sem examinar diretamente a paciente. A promotoria investiga Guerreiro por dois procedimentos cirúrgicos e Saab por três. Veja o que eles disseram à repórter de ZH, sem saber que estavam sendo gravados.

OS PREÇOS

André Guerreiro recomendou que a suposta paciente buscasse o orçamento de outros médicos antes de apresentar, à Justiça, o valor que cobraria em um procedimento cirúrgico para uma artoplastia total do joelho (substituição por prótese).

– Primeiro tu tens que pegar os orçamentos dos outros (médicos), se vocês querem fazer comigo (o procedimento). É para eu olhar e a gente dar um orçamento compatível (valor inferior para ser apresentado à Justiça), entendeu?

O VALOR DOBRA

No consultório de Nelson Luiz Saab, uma funcionária do médico, Luciana Moreno Baladón, disse que ele cobra R$ 50 mil na Justiça por uma cirurgia que, se fosse privada, custaria R$ 25 mil.

– Se tu for fazer um pacote com a gente, vai sair em torno de R$ 25 mil. Pacote é um pacote social, ela não vai ficar em um quarto privativo, o material é mais simples um pouquinho, não é de má qualidade. Agora, se for fazer uma cirurgia particular, ela parte de R$ 50 mil. Porque o quarto, em vez de R$ 200 vai para R$ 800. Então o que a gente faz: quando a gente faz uma cirurgia via judicial, a gente cobra o valor particular.

Questionada se a paciente realmente vai ficar em quarto privativo, após a cirurgia via judicial, cujo valor cobrado é particular, a funcionária nega:

– Eu posso até dar o valor particular, mas não é... Geralmente a gente dá um valor de um quarto semiprivativo. Quarto de boa qualidade, com duas pessoas, com banheiro, TV, ar-condicionado. O importante é o procedimento ser bem atendido – admite a secretária de Saab.

Ela promete que a diferença em dinheiro será devolvida aos cofres públicos, caso não seja utilizada.


CONTRAPONTOS

O que diz o médico André Guerreiro - O cirurgião negou combinar com outros médicos valores de cirurgias judiciais realizadas mediante autorização na Justiça. Guerreiro disse: “Na maioria das vezes o paciente vem pegar o orçamento já tendo escolhido seu cirurgião. Quando ele quer fazer (o procedimento) comigo pergunta se aceito aqueles valores, se é compatível com o que eu irei oferecer a ele.”

O que diz Luciana Moreno Baladón, secretária do médico Nelson Luiz Saab - Ela diz que o valor é maior por via judicial porque todos os envolvidos fazem um preço menor quando é pago pelo paciente. Já quando o pagamento vem de dinheiro público, o valor sobe porque é incluído o preço de uma possível nova internação ou cirurgia. O dinheiro seria devolvido à prefeitura caso não fosse utilizado.

NOTA

Em Pelotas, o MP instaurou 15 inquéritos para investigar 70 cirurgias feitas mediante autorizações judiciais
que estão sob suspeita.


BOMBOM E COXINHA DE PALMITO PAGOS PELO ESTADO


Morador de Mata, município de 5,5 mil habitantes na Depressão Central gaúcha, um menino nasceu com uma doença genética, fenilcetonúria, que costuma afetar uma em cada 10 mil pessoas.

Quando não tratada, pode resultar em atrasos no desenvolvimento psicomotor. Alguns sintomas são comportamento agitado e convulsões. O importante é o diagnóstico precoce, logo após o nascimento, pelo teste do pezinho. O tratamento é dieta, para toda a vida, eliminando alimentos de risco.

E quais os alimentos a serem evitados? Todas as carnes, leite e derivados do leite, ovos, alguns tipos de feijão, milho, grão de bico, amendoim, lentilhas, farinha de trigo, aveia, adoçantes e produtos dietéticos à base de aspartame. Assim como alimentos preparados com estes ingredientes como bolos, biscoitos e outros.

Sem dinheiro para custear tratamento ou dieta especial, os pais ingressaram na Justiça com pedido para que o Estado banque o regime alimentício do filho. O curioso é a dieta que exigiram: bolo de cenoura, bombom branco, brigadeiro branco, bife, biscoito salgado, bolinho de queijo, coxinha de palmito, croquete de cenoura, espetinho, kibe, lasanha, macarrão, pão de mandioquinha, pão de queijo, pão francês, pastel de palmito, pizza de mussarela, salgadinho de pizza, salsicha, biscoito recheado de chocolate, macarrão Rilla, farinha Rilla, brigadeiro preto, mousse de morango, pirulitos, entre outras guloseimas.

A dieta foi pedida “com urgência” e, na dúvida, a juíza Ana Paula da Silva Tolfo, da comarca da vizinha cidade de São Vicente do Sul (e que responde por Mata), concedeu o pedido. Ordenou ao Estado que bancasse a compra dos alimentos. A decisão foi tomada em 18 de março.

Em 16 de agosto, o desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, determinou a continuidade da compra de alimentos por parte do governo estadual, mas apenas de uma dieta específica e reduzida. Foi autorizada a aquisição de farinha especial, macarrão especial, 12 barras de chocolate específico para fenilcetonúricos, 10 pacotes de biscoitos específicos, quatro pacotes de mandiopã específicos para quem tem a doença, três quilos de fécula de batata e seis pacotes de gelatina de algas prontas para fenilcetonúria. Suspendeu todos os demais alimentos que não constavam em indicação médica.

Conforme o pai da criança, a lista inicial, por engano, mencionava que os produtos requisitados seriam para consumo da criança durante um mês – na realidade, eram para seis meses e em quantidade dosada. Quando o Estado recorreu, foi concedida alimentação especial. Ele explica que só tem recebido o leite especial. Zero Hora não divulga os nomes do casal para preservar a identidade do bebê, em conformidade com o Estatuto da Criança e do Adolescente.


PELO LEITINHO DA CRIANÇA


Alérgico a leite de vaca, um menino de seis meses precisa ingerir um produto especial para intolerantes à lactose. Os pais, um advogado e uma gerente de banco, ingressaram com processo no Fórum da Capital solicitando latas do nutriente, chamado Neocate. Queriam que o Estado pagasse os R$ 1,6 mil mensais – cada lata custa R$ 160 e dura três dias.

Procuradores do Estado descobriram que os pais do garoto têm dois carros que, somados, são avaliados em R$ 173 mil e residem num condomínio de alto padrão no extremo sul da Capital. As informações foram levadas em consideração pela 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, que negou ao casal o direito de ganhar o leite do Estado.

– Está bastante claro que a parte autora da ação tem condições econômicas de comprar o medicamento de que necessita – pondera o desembargador Sérgio de Vasconcellos Chaves, da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça.

Procurado por Zero Hora, o pai do menino afirmou:

– Independente de ser carro de luxo, calculei todas as despesas a família e não sobra grande coisa, se comprar o leite especial. As contas, mês a mês, impedem que eu possa pagar. Vou ter de cortar um carro, trocar por um veículo menor. Não acho incoerente, a gente paga tributação e não dá conta das despesas. Entendo que o Estado deveria pagar o leite ou disponibilizá-lo na Farmácia Popular. Tenho conta de estacionamento, prestação da casa.

Para a procuradora Heloísa Zigliotto, o Estado tem o dever de custear produtos ou remédios excepcionais para pessoa que não podem prover as despesas com esses medicamentos.

– O problema é que o Judiciário costuma conceder esse direito a todos, sem olhar as condições financeiras. Acaba faltando para os pobres – pondera Heloísa.

ZH não divulga os nomes do casal para preservar a identidade do bebê, como prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Fraudes com aval da justiça é algo que faz o povo desacreditar na justiça brasileira. Na maioria das vezes, estes fraudes tem apoio especialmente na burocracia que é uma das mazelas mais nocivas que contamina a confiança neste pilar da democracia. Diante dos serviços precário que sonegam direitos individuais e coletivos do cidadão e comunidades, nada mais correto estas demandas caírem na justiça. Entretanto, para sanar esta mazela e impedir decisões como estas mostradas na reportagem, a justiça brasileira precisa se sistematizar, estruturar instrumentos de investigação de cada caso, desburocratizar processos e aproximar o magistrado das questões através de audiência preliminares com as partes envolvidas.




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