quarta-feira, 10 de abril de 2013

A SUPERLOTAÇÃO TIROU O FILHO DA FAMÍLIA

ZERO HORA 10 de abril de 2013 | N° 17398

CAOS NA SAÚDE

 Um muro de dor

LETÍCIA DUARTE

Durante três dias, um pai enfrentou um calvário em busca de atendimento de emergência para o filho. Mas a morte chegou antes do leito, em mais um sintoma da crônica superlotação da rede

Com cinco recibos de ambulância sobre a mesa, empilhados sobre os exames que na quinta-feira passada diagnosticaram um mieloma múltiplo avançado em seu filho de 52 anos, o consultor em investimento e comércio exterior Vladimir Duarte Dias, 80 anos, remói o sentimento de impotência de quem enfrentou o calvário em busca de um leito de emergência na rede de saúde. E perdeu.

Entre quinta e domingo, a família apelou para uma dúzia de médicos conhecidos, telefonou para quatro hospitais credenciados ao IPE, passou cinco horas com o filho em frente ao Hospital de Clínicas. Mas a morte chegou antes do atendimento que buscavam.

A peregrinação, que revela mais um capítulo da crônica superlotação da rede, começou no dia 11 de março. Como Luiz Marcelo Dias andava apático e quase não comia, o pai decidiu buscar ajuda. Embora tomasse medicação contínua para esquizofrenia, o morador do bairro Petrópolis mantinha um quadro estável nos últimos oito anos, o que fez o pai desconfiar de que algo mais estava acontecendo. A primeira tentativa de atendimento foi na Santa Casa. Ao chegar à emergência do Hospital Dom Vicente Scherer, o consultor desanimou ao ver uma placa avisando que o tempo mínimo de espera era de sete horas.

Não havia leito disponível

Para ganhar tempo, optou por interná-lo no Hospital Espírita, em uma ala psiquiátrica. Paralelamente, agendou a realização de exames pelo IPE, o plano de saúde da família, no Hospital da PUCRS. Diante da descoberta de que o filho estava com metástase nos ossos, na coluna e no quadril, com diagnósticos obtidos entre quinta e sexta-feira, se intensificou a busca por atendimento especializado. Como Marcelo estava fraco, gemia de dor e já não comia, a orientação dos médicos do Hospital Espírita era de que precisava ser transferido para uma emergência. Só que não havia leito disponível.

Durante três dias, a família recorreu a todos os caminhos conhecidos para tentar a transferência. Em vão. Nas ligações para Santa Casa, Hospital da PUCRS, Hospital Conceição e Hospital Ernesto Dorneles, ouviram a mesma resposta: todos estavam lotados. Superlotados. No domingo, com o agravamento do caso, o médico plantonista no Hospital Espírita ligou ele mesmo para o Clínicas, que teria concordado em receber o paciente. O pai contratou uma ambulância particular para transportá-lo, testemunhando os gemidos de dor do filho até o destino.

– Nem olharam o meu filho. Disseram que aqueles não eram os papéis adequados, que não tínhamos passado pela regulação do Samu – lamenta.

Depois de cinco horas de espera, sem que os contatos telefônicos resolvessem a situação, o paciente acabou devolvido para o Hospital Espírita. Oito horas mais tarde, o pai recebeu o telefonema com a notícia que tanto temia.

– Ele só voltou para morrer – chora o pai, que enterrou o filho às 17h de segunda-feira.


Pai percebe “estado de guerra”

Formado em ciências políticas e atuariais, com pós-graduação em Desenvolvimento Econômico e Social pela Comissão Econômica para a América Latina da ONU, Vladimir Duarte Dias têm ciência de que a morte do filho era um destino previsível diante da gravidade do câncer descoberto repentinamente.

Mas não se conforma em tê-lo perdido antes mesmo de conseguir um leito.

– Nessas horas não adianta ter conhecimento, recurso. O problema é estrutural.

Dias credita que a situação da saúde pública precisa ser encarada como um cenário de guerra pelas autoridades. Gostaria de ver as Forças Armadas agindo com hospitais:

– Estamos em um estado de guerra, não pode ser tratado de forma convencional.

Autor de livros como Genealogia da Liberdade, também reflete sobre a ganância que teria feito muitos médicos acastelarem-se em “casulos de suas fortalezas de alto padrão e clientes de grande poder econômico e político”. Mas considera que a principal responsabilidade é do poder público, que não tem plano de ação e age tentando tapar furos.

– Não adianta brigar com ninguém no balcão, a responsabilidade pelo que aconteceu está nos palácios, e eles não vão ouvir.

Apesar de tudo, diz que não sente raiva.

– A raiva não ultrapassa um metro. O amor é capaz de dar a volta ao mundo.


CONTRAPONTOS

O QUE DIZ O HOSPITAL DE CLÍNICAS  - A assessoria de imprensa informou que não foi localizado registro da passagem do paciente pela instituição no domingo. O hospital confirma que a emergência costuma superlotar, mas a orientação vigente é internar todo paciente com risco iminente de morrer. Na situação específica de Luiz Dias, seria necessário saber com mais detalhes como o caso foi apresentado na emergência a fim de apurar o que pode ter ocorrido.

O QUE DIZ O HOSPITAL ESPÍRITA - Procurado no final da tarde, o diretor médico da instituição, Pedro Ortiz, informou que não conseguiu acesso ontem às informações do prontuário e da tentativa de transferência do paciente, e só poderia se manifestar hoje.

O QUE DIZEM OS OUTROS HOSPITAIS - Outras instituições que teriam sido procuradas pela família do paciente, a Santa Casa e o São Lucas da PUCRS, afirmam que as emergências costumam lotar, mas os casos graves são atendidos quando chegam ao local.

O QUE DIZ O IPE - A assessoria de comunicação do IPE sustenta que a transferência do paciente deveria ter sido precedida de uma alta hospitalar e de um acerto com o estabelecimento para onde ele seria levado, o que não teria ocorrido. Admitiu que pode haver falta de leito para transferência em determinados períodos, mas que a situação costuma ser temporária.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Enquanto isto sobram recursos para a saúde vip e indenizações dos parlamentares. Enquanto o povo pena na fila de postos de saúde e em ambulatórios superlotados, a máquina pública gasta fartamente em privilégios, emendas eleitoreiras, cargos comissionados sem concurso e salários extravagantes para os altos cargos do poder. O pior é ainda ver as pessoas do povo buscarem a solução nas forças armadas como se o Brasil fosse governado por um regime de exceção, descrentes da justiça, do parlamento e do executivo, poderes criados para governar democraticamente e em harmonia para garantir direitos ao seu povo, principalmente o direito de viver.


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