O inverno vem aí, e as tragédias da saúde, inevitavelmente, vão se repetir. O “inevitavelmente” fica por conta da completa ausência de medidas capazes de retirar o sistema de saúde da crise em que foi colocado. Medidas pontuais e paliativas são tomadas diariamente: reforma de unidades de saúde, abertura de alguns leitos hospitalares, compra de alguns equipamentos, campanhas de imunização, ou campanhas “mi-diáticas” contra determinadas doenças, cuja eficácia ninguém se preocupa em dimensionar. Enfim, “tudo como dantes no quartel de Abrantes”. Assim, não é de espantar que as emergências hospitalares estejam cada vez mais superlotadas e que a demora no acesso aos procedimentos básicos seja cada vez mais delongado.
E aí, nesse ponto, voltamos à mesma pergunta de sempre: por que os governos da União, dos Estados e dos municípios não tomam qualquer medida, por menor que seja, para dar início a um processo de reformulação/reversão na estrutura e na natureza do sistema de saúde? Não é, certamente, uma tarefa fácil. É preciso determinação política a favor da maioria da população. Reverter o sistema significa, por exemplo, iniciar a desapropriação, determinada pelo interesse público, dos grandes complexos de serviços hospitalares e de meios diagnósticos e terapêuticos, hoje em mãos privadas, dando-lhes uma função social fora do mundo dos negócios.
Uma segunda alternativa, certamente mais dispendiosa, seria construir um potente sistema público/estatal paralelo ao sistema privado. Concursar gente, pagar um salário digno, ampliar a atenção básica e os serviços de média complexidade seriam passos complementares. Retomar a produção de medicamentos pelo Laboratório Farmacêutico do Estado, que há mais de 20 anos não produz um único comprimido de aspirina, será motivo de uma grande festa popular.
O que presenciamos, no entanto, são remendos por todos os lados, medidas emergenciais, tapa-buracos. Essas ações não produzem qualquer efeito no conjunto do sistema. A crise não só continua, como se aprofunda. Se o objetivo da crise era facilitar ou justificar a privatização do sistema de saúde e estratificar o acesso de acordo com o poder aquisitivo dos cidadãos, pode-se dizer que ele está sendo relativamente bem-sucedido. O desfinanciamento do sistema público, a criação das fundações privadas e da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares SA e os subsídios galopantes ao setor privado da saúde garantem isso.
Com certeza, não foi com esse objetivo que a população se mobilizou e aprovou um Sistema Único de Saúde na Constituição Federal. Ao contrário, foi para ter a garantia de acesso a um bem público, de qualidade, sem intermediários gananciosos.
LÚCIO BARCELOS - MÉDICO SANITARISTA, DIRETOR-GERAL DO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO SÃO PEDRO - ZERO HORA 07/06/2011
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