quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

EMENDA DESFIGURADA

EDITORIAL ZERO HORA 18/01/2012

É cômoda a situação da União, depois da regulamentação da Emenda 29, que estabelece normas para a destinação de recursos à área da saúde e foi sancionada esta semana pela presidente Dilma Rousseff. Depois de 11 anos de debates, desde a aprovação da Emenda, o governo federal conseguiu transferir as maiores responsabilidades a Estados e municípios e teve sua condição de principal provedor do SUS inalterada. Na verdade, a Emenda 29 foi desfigurada em seus objetivos iniciais, ao não mexer na regra segundo a qual cabe à União destinar ao setor o que aplicou no ano anterior, mais a correção do PIB. Não há nenhuma referência a um percentual mínimo de aplicação em saúde, o que abranda as responsabilidades do governo e amplia a de governadores e prefeitos.

A manobra do Executivo, bem-sucedida no Congresso, frustra expectativas de gestores da saúde e da população. Permanece, para os Estados, a determinação de aplicar pelo menos 12% do orçamento em saúde e, para os municípios, um índice de 15%. Sabe-se que pelo menos metade dos Estados não investe o que deve. Mas é reconhecido o esforço dos municípios, que, com exceções, procuram atender às demandas, em especial da atenção básica. Pela Emenda, nem Estados nem municípios poderão recorrer mais a subterfúgios que contabilizavam para a saúde verbas destinadas a outras áreas. Amplia-se assim o controle de gastos reais, com maior poder de fiscalização por parte dos tribunais de contas, o que pode representar um aumento de R$ 3 bilhões por ano nas verbas dessas duas esferas de poder.

Essa sobrecarga passou longe da União, na votação da Emenda, que, além de livrar o governo federal da pressão pelo aumento de verbas, isentou-o também de outras obrigações, através de 15 vetos. A União não terá, por exemplo, que aumentar a dotação para a saúde, se, na revisão dos números do PIB, o que é comum depois dos primeiros cálculos sobre a evolução da economia, a produção tiver crescido mais do que o inicialmente estimado. Foi igualmente retirada do texto a previsão de que os recursos da saúde ficariam em conta específica, o que facilitaria a fiscalização das verbas e asseguraria maior transparência.

A regulamentação da Emenda foi, portanto, um grande negócio para a União, que mantém tudo como está em relação às suas atribuições e assistirá de longe aos esforços de Estados e municípios, agora proibidos de atribuir à saúde despesas com aposentadorias, restaurantes populares e obras de saneamento. Mesmo que o fim da camuflagem de recursos possa representar um pouco mais de dinheiro, será muito pouco para as demandas da população.

É compreensível a crítica do presidente da Confederação Nacional de Municípios, Paulo Ziulkoski, segundo o qual tudo o que o governo fez foi desfigurar um conjunto de normas aguardado há tanto tempo, para se eximir de responsabilidades. Ao sancionar o texto com tantos vetos, o governo enviou aos usuários um recado claro de que, se depender de Brasília, ninguém deve esperar por melhorias profundas no sistema de saúde pública.

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