quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

PLACEBO PARA OS MAIS NECESSITADOS

PEDRO PICCARO DE OLIVERIA, PRESIDENTE AMEREHCPA (ASSOCIAÇÃO DOS MÉDICOS RESIDENTES DO HCPA) e Pe MATIAS KONFELD, ROFESSOR ADJUNTO FAMED-UFRGS - ZERO HORA 12/01/2012


O governo tem feito grande divulgação de sua mais nova iniciativa para solucionar a assistência à saúde em áreas remotas do país. Em bem elaboradas peças publicitárias expostas em jornais, revistas, internet e canais de televisão, se faz referência a como esse novo programa, intitulado Provab (Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica), irá trazer médicos para perto de todos os brasileiros.

A ideia é muito bonita e ninguém se opõe a ela. Porém, infelizmente, esse programa não passa de um arremedo demagógico planejado às pressas dentro do Ministério da Saúde, com pouca preocupação na sua real efetividade, a não ser para o programa eleitoral das próximas eleições. O grande “incentivo” para o médico que vai para os municípios participantes do programa seria um “bônus” (de até 20%) na prova de residência médica.

Para quem não sabe, residência médica, nos dias de hoje, é uma etapa obrigatória na formação completa do médico. São mais de 2,6 mil horas de treinamento, sob supervisão, por ano, durante um período entre dois e cinco anos, após os seis anos da faculdade, que transformam o recém-formando em um ginecologista, cardiologista, cirurgião e outras seis dezenas de especialidades, entre elas a medicina de família. Sim, após seis anos de faculdade, ainda são necessários mais de 5 mil horas de treinamento para proporcionar o melhor atendimento em um posto de saúde. A residência médica em medicina de família envolve o treinamento dentro da unidade básica de saúde, mas também dentro de unidades de emergência e de internação pediátricas e gerais, centros obstétricos, atendimento psiquiátrico inicial e pequenos procedimentos. Tudo isso ao longo de dois anos e sempre com orientação de médicos com experiência em cada uma das áreas.

Para o governo, todo esse treinamento é desnecessário para atender os brasileiros mais desassistidos pelo Estado. Para eles, um recém-formado, que há um mês não poderia nem prescrever um simples analgésico, é a grande promessa de saúde. Além disso, será um recém-formado coagido a prestar um atendimento para o qual ele não tem o devido preparo, visto que esse “bônus” desequilibra de tal forma a tão disputada vaga de residência médica, que a participação no programa se torna quase obrigatória. Para se ter uma ideia, no concurso para as vagas de residência médica para o ano de 2011 no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, a diferença entre os cem primeiros colocados foi de 10% do total de pontos. Centésimos fazem a diferença. Portanto, qualquer que seja o bônus, a participação no Provab será uma pausa obrigatória no já tão longo tempo de formação do médico e, infelizmente, para prestar o atendimento sem o devido treinamento e suporte.

No edital do Provab, é prometida supervisão à distância e presencial duas vezes ao mês para os 2 mil participantes nas mais remotas áreas do país. Para se ter uma ideia, no Rio Grande do Sul existe pouco mais de 2 mil vagas para residência médica. Demorou 40 anos para atingir esse número e dezenas de instituições e centenas de médicos experientes são responsáveis por supervisionar diariamente esses 2 mil médicos em treinamento. Qual a possibilidade de ser criado um corpo de supervisão adequado, recebendo, cada um desses supervisores, um salário de R$1,5 mil por mês, e para estar em pleno funcionamento em um prazo de três meses conforme planeja o Ministério da Saúde?

O Provab não passa de mais um engodo, um placebo, para os brasileiros mais abandonados pelo Estado, que terão que se contentar com uma solução barata e imediatista, cuja pressa para implantação só é justificada pelas eleições municipais deste ano. A ilusão criada por esse programa da melhora dos números da distribuição demográfica de médicos no país irá atrasar a implementação de medidas que realmente possam melhorar a assistência à saúde para todos os brasileiros. Obviamente, essas medidas envolvem necessariamente gestão pública de qualidade e combate à corrupção. Para o Ministério da Saúde, hoje em dia, é mais fácil explorar um recém-formado do que fazer o dever de casa.

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