domingo, 29 de janeiro de 2012

ROLETA RUSSA


BEATRIZ FAGUNDES, O SUL
Porto Alegre, Domingo, 29 de Janeiro de 2012.


Esse é o retrato de nossa civilização, retornamos à idade da pedra, onde os trogloditas mais fortes submetiam seus irmãos às suas vontades mais elementares.

Segundo a Vigilância em Saúde de Porto Alegre, subiu para 211 o número de notificações de pessoas intoxicadas após refeição em uma, entre as centenas de lancherias na Capital. Os doentes apresentaram reações, mas melhoraram rapidamente. Um mal estar estomacal, uma diarreia e já estão prontos para outra.

Trata-se de uma roleta russa. Aliás, a nomenclatura Vigilância em Saúde, significa exatamente o quê? Quem são os vigilantes e quantos pontos, considerando os incontáveis locais de venda de lanches na Capital, são legais e clandestinos? Um ponto de vendas está hoje interditado, e quantos outros devem estar funcionando sem qualquer fiscalização? Um mistério! Graças à fortuna ninguém morreu. O poder público pode fazer um marketing mantendo o estabelecimento interditado. Mas, e quantos aos outros? Quem nos oferece segurança?

Na semana passada uma consumidora postou numa das tantas redes sociais da rede mundial a foto de uma embalagem de carne embalada numa das lojas de um grande grupo de supermercados de Porto Alegre com data do dia seguinte, fato que produziu uma ação relâmpago dos órgãos de fiscalização que acabaram flagrando dezenas de estabelecimentos com centenas de produtos vencidos oferecidos sem qualquer constrangimento aos pobres, incautos e desprotegidos clientes.

Esse é o retrato de nossa civilização, retornamos à idade da pedra, onde os trogloditas mais fortes submetiam seus irmãos às suas vontades mais elementares. Talvez naqueles tempos imemoriais, tudo se resumisse a desejos físicos ou a domínio de território, hoje somos reféns dos desejos lúbricos e insaciáveis de lucro a qualquer preço. A ordem natural é levar vantagem, vender qualquer coisa sem qualquer certeza de qualidade do produto garantindo que o "business" não pode perder ou parar. Lucro, sucesso e realização de metas dispensam moralidade, ética e principalmente condições adequadas de consumo

No caso em questão na Capital, fica evidente a falta de fiscalização continuada, rotineira da tal de Vigilância em Saúde, que deve contar com menos de cinco agentes, talvez sem veículos, ou mesmo de rigorosa determinação dos superiores de agirem de forma preventiva. O proprietário do caso da lanchonete certamente será a cereja do bolo das autoridades lenientes durante todo o tempo, na venda de ideia de que são ágeis e determinados a manter o comércio sob a pressão da inexistente fiscalização.

Numa condição análoga ainda estamos sob o impacto da inacreditável cena na qual um prédio de vinte andares, de setenta anos de existência desmoronou como um castelo de cartas, arrastando consigo mais dois prédios, um de dez e outro de dois andares, no Rio de Janeiro. Lá como aqui, fica evidente a ausência absoluta de fiscalização. Seja por órgãos de estado, ou por entidades corporativas que jamais descuidam da cobrança de anuidades de seus afilhados, no caso o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do RJ.

Cabe admitir que tudo é possível, vender lanches insalubres, contaminados e mortais, até fazer reformas essenciais em edificações sem que ninguém ao fim e ao cabo seja responsável. O caso do Rio de Janeiro é brutal, não apenas pela morte de duas dezenas de cidadãos indefesos, mas, pela certeza de que não existe qualquer, ou mínima fiscalização sobre reformas internas nos nossos edifícios. Lá como cá. Velhos ou novos. Primeiro a tragédia e após a rigorosa fiscalização.

Neste ínterim, pessoas são imoladas no altar da incompetência ampla geral e irrestrita. Responsáveis? No caso dos lanches quem mandou apostar no saborosíssimo burguer gaudério, e no Rio quem mandou permanecer no prédio depois do horário comercial? Os culpados serão, pela lógica devassa e irracional, ninguém mais, senão as próprias vítimas. Salve-se quem puder!

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