terça-feira, 29 de março de 2011

PACIÊNCIA PARA BUSCAR SAÚDE



Doentes enfrentam madrugada com chuva e fila em posto de saúde da zona sul da Capital para conseguir atendimento médico - JULIANA BUBLITZ, zero hora 29/03/2011

Molhada pela chuva intermitente que caía sobre Porto Alegre na madrugada de ontem, a aposentada Alice Pinto, 70 anos, encolhia-se sob o guarda-chuva e esperava na escuridão. Além dela, outras 42 pessoas enfrentavam o mesmo drama: paradas na calçada antes do sol raiar, aguardavam atendimento no posto de saúde do bairro Camaquã, em uma rotina de sofrimento e resignação que se repete diariamente em diferentes regiões da Capital.

Crônico, o problema piora a cada dia. Para amenizar a superlotação nos hospitais, gestores públicos orientam a população a buscar ajuda nas unidades básicas. Alegam que muitas enfermidades pode ser resolvidas ali mesmo, reservando as alas hospitalares para os casos graves. Mas se esquecem de um efeito colateral devastador: sem alternativa, uma legião de doentes agora é obrigada a enfrentar filas intermináveis nos postos de saúde, onde faltam médicos e estrutura.

Para retratar a situação, Zero Hora acompanhou o calvário dos pacientes de uma das principais unidades da zona sul da Capital, na Rua Professor Doutor João Pitta Pinheiro Filho. A maratona teve início às 4h30min de ontem, quando começou a se formar uma fila no local, e se estendeu até às 7h45min, após a distribuição de fichas para consultas – que se seguiu o dia todo.

Primeira da fila, a técnica em enfermagem Rúbia Vais, 23 anos, postou uma cadeira diante do portão para marcar lugar e ficou no carro, protegendo-se da chuva. A água despencava com força. Mesmo assim, não demorou para que a fila encorpasse.

– Tenho exames prontos desde janeiro, mas vim quatro vezes e não consegui ficha. Estou preocupada – contou Rúbia.

Torcida de alguns pacientes é pela desistência de outros

Colado a uma árvore, um cartaz escrito à mão avisava: para clínico geral, havia 25 fichas e, para pediatra, 19. Pouco, diante da demanda. Preocupante, frente a casos como o de Rúbia e de Alice Pinto. Hipertensa, a aposentada perdeu as contas de quantas madrugadas passou em claro para obter auxílio no local.

– Os médicos são bons. Só que, se a gente não chega quando ainda está escuro, não consegue nada. É difícil – disse Alice.

Às 7h, quando as portas se abriram, pelo menos 65 pessoas já se aglomeravam no local, encharcadas, irritadas e cansadas. Outras continuavam chegando. Nervoso e aos gritos, um funcionário organizava a entrada.

– Desistência é paredão! Desistência é paredão! – berrava.

O recado era para pacientes em busca de consultas psiquiátricas. Como não havia mais horários, eles tiveram de recostar na parede e torcer para alguém desistir. Alguns foram embora. Alice e Rúbia tiveram mais sorte: conseguiram ser atendidas, mas seguiam preocupadas. Ambas ganharam exames para fazer e teriam de voltar.

– Agora é rezar um Pai-Nosso para dar certo – resumiu Alice.

Sindicato defende contratação de mais médicos

Para a vice-presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Maria Rita de Assis Brasil, a solução para os problemas detectados nos postos de saúde da Capital passa por três fatores: a contratação de mais médicos, a melhor remuneração deles e o investimento em prevenção.

– Os médicos são a ponta desse sistema e muitas vezes levam a culpa pela demora no atendimento. Mas eles também ficam frustrados com o que acontece hoje nas unidades básicas de saúde – diz Maria Rita.

A sindicalista ressalta que o número de profissionais em atividade no atendimento básico de Porto Alegre é insuficiente. Além disso, o salário não é atrativo.

Contraponto - O que diz Marcelo Bosio, secretário-adjunto da Secretaria da Saúde de Porto Alegre:
“Essa situação não é de hoje, e as pessoas têm o direito de reclamar. A origem do problema está no modelo de organização que foi adotado pela Secretaria com a municipalização da saúde. Para mudar isso, estamos trabalhando no processo de informatização do sistema e, até o final do ano, nossa intenção é incluir as unidades básicas. Além de informatizar, vamos mapear as principais necessidades. Isso vai nos ajudar a racionalizar o sistema. Sobre a falta de médicos, muitas vezes o problema é justamente essa má organização, por isso o mapeamento é importante. Poderemos realocar médicos e contratar novos, conforme as reais necessidades.”

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