EDITORIAL O GLOBO, 29/03/2011 às 18h17m
Ao impedir a prorrogação da CPMF, no final de 2007, o Senado acabou com um imposto ruim em todos os aspectos. Pelo lado da economia, ao incidir várias vezes no ciclo de produção de bens e serviços, o gravame era mais um fator negativo contra a capacidade de competição do país no exterior. No aspecto social, tratava-se de um imposto iníquo, pois recaía proporcionalmente mais sobre as pessoas de renda baixa. Mas o governo Lula, contrário à extinção da CPMF - a julgar por sua plataforma social deveria ter sido a favor -, traçava cenários catastróficos para a área da Saúde, caso o imposto fosse suprimido.
Na verdade, nada aconteceu. A baixa qualidade no atendimento na rede do SUS continuou a mesma. Não piorou, e nem faria sentido piorar, porque a subtração dos R$ 40 bilhões no Orçamento de 2008, decorrente do fim da contribuição, foi mais que compensada pelo aumento do IOF e pelo próprio crescimento da arrecadação, na esteira da expansão econômica e dos ganhos de eficiência da insaciável máquina da Receita. Em poucos meses, os R$ 40 bilhões haviam sido repostos, enquanto a carga tributária como um todo se mantinha em alta.
Logo, é uma falácia querer explicar as deficiências do SUS pelo "subfinanciamento" do sistema devido ao fim da CPMF. São inúmeras as evidências de que a principal causa das mazelas na saúde pública é a má administração desta gigantesca máquina, em que bilhões de reais são transferidos entre entes federativos, sem maiores controles e cuidados com uma prestação de serviços com o mínimo de qualidade. Sem falar em fraudes e na corrupção. São ilustrativas reportagens publicadas domingo e ontem pelo GLOBO, das quais surge um quadro de quase completo descontrole. De 2007 a 2010, auditorias realizadas pelo Ministério da Saúde e a Controladoria-Geral da União (CGU) constataram desvios de R$ 662,2 milhões em repasses do Fundo Nacional de Saúde, com o detalhe sugestivo de que apenas 2,5% das transferências são fiscalizadas.
Pode-se imaginar de quanto pode ser de fato o desvio total. Em números: nestes quatro anos, dos R$ 159,1 bilhões transferidos para estados e municípios, acompanhou-se o caminho de apenas R$ 4 bilhões. Mesmo assim, os desvios auditados poderiam financiar a construção de 1.439 unidades básicas de saúde e 24 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), além de pagar salários por um ano de 1.156 equipes do programa Saúde da Família. Outro foco de fraudes com o dinheiro do SUS é o cadastramento de médicos no Saúde da Família. Há casos de cadastros feitos apenas para municípios continuarem a receber os repasses, cujo destino é obscuro. Um médico aparece lotado no Hospital Regional de Araioses, no Maranhão, sem que tenha estado lá nos últimos oito anos. Por isso, constatou a CGU, a carga horária no Saúde da Família não é cumprida em 40% dos municípios, um escândalo. O governo Dilma Rousseff, portanto, tem razão em encomendar uma radiografia do SUS. Mas as informações levantadas pela CGU e o Ministério da Saúde são suficientes para barrar a proposta insana de recriação da CPMF. Serviria apenas para fazer desaparecer mais algumas dezenas de bilhões do contribuinte neste buraco negro, sem melhorar o SUS.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - O problema do SUS não é de controle, mas da falta de um Poder Judiciário diligente, ágil e coativo capaz de alcançar e punir os autores das ilicitudes, resgatando os recursos públicos desviados, onde estiverem. Enquanto vigorar esta justiça morosa e benevolente que não pune governantes e poderosos, estimulando a impunidade e o descaso para com a nação, a saúde pública continuará sendo saqueada.
No Brasil, a saúde pública é tratada com descaso, negligência e impostos altos em remédios e tudo o que faz bem à saúde. Médicos e agentes da saúde são poucos e mal pagos; As pessoas sofrem e morrem em filas, corredores de ambulatórios e postos de saúde; As perícias são demoradas e burocracia exagerada; Há falta de leitos, UTI, equipamentos, tecnologia, hospitais e postos de saúde apropriados para a demanda; A impunidade da corrupção desvia recursos e incentiva as fraudes.
quinta-feira, 31 de março de 2011
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