domingo, 17 de junho de 2012

DOENÇA CRÔNICA ISENTA IMPOSTO

LEI DESCONHECIDA

NILSON MARIANO e ADRIANA IRION , ZERO HORA, 17/06/2012

 

Isenção do IR é para poucos

Desinformação e burocracia acabam por limitar alcance de legislação que beneficia portadores de doenças graves


O leão do Imposto de Renda não morde os que se aposentam em função de uma doença incurável. Voraz e inclemente com os demais trabalhadores, o rei da selva e dos tributos é mansinho perante os que se enquadram na Lei 11.052, de 2004, que atualizou uma legislação de 24 anos.

Mas nem todos conseguem evitar o rugido devorador de salários, mesmo sendo merecedores da isenção do IR. Especialistas apontam que a lei é quase desconhecida e pode assustar pela burocracia que impõe. Por consequência, é utilizada por poucos.

O presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), Álvaro Sólon de França, elege pelo menos duas entre as mais graves. A primeira delas: trabalhadores que se aposentam, e depois contraem uma doença grave, raramente são informados sobre o direito. Como se desligam da empresa e do seu sindicato, não costumam buscar orientação.

A segunda distorção é o limite de enfermidades abrangidas pela lei. No site da Receita, constam 16, como hanseníase, cardiopatia severa e tuberculose ativa. Para o dirigente da Anfip, é preciso abrir o leque e incluir outras patologias, que também geram incapacidades e despesas com tratamento e medicamentos.

– Falta maior justiça fiscal. Cabe às associações de classe e aos sindicatos reivindicarem esses direitos, exigirem mais publicidade e informação – recomenda Sólon de França.

A isenção começa a ser concedida a partir do exame médico que diagnostica o mal. A perícia deve ser oficial, em acordo com o regime de trabalho do futuro aposentado – se CLT, funcionalismo público, carreira militar e outras. E é aí que começa o cipoal burocrático. Para o professor da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap), Amauri Liba, a lei está distante da população:

– É complexa e burocrática. As pessoas que mais necessitam, as de baixa renda, não têm acesso.

O professor do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), José Antonio Minatel, considera normal que os servidores com salários altos apareçam entre os maiores beneficiários da isenção. Lembra que eles costumam ganhar aposentadorias equivalentes ao último vencimento. São pagadores de IR. A situação é diferente para a massa que depende do INSS.

– Os portadores de doença grave, aposentados pelo INSS, em regra, recebem valores já isentos de tributação, o que não desperta interesse ou necessidade de conhecimento da legislação – pondera Minatel.

A maioria dos celetistas não tem direito à isenção – ganha tão pouco que foi dispensada de acertar contas com o leão –, mas uma parcela está perdendo o auxílio por desinformação. O alerta é do diretor do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis do Estado (Sescon), Célio Levandovski.

– O pessoal não tem aproveitado. Muito por desconhecimento, depois pela burocracia, que é meio penosa – informa.

Uma das dificuldades, na opinião de Levandovski, é a comprovação da doença. Outra, pior ainda, é o trabalhador demonstrar que já estava enfermo antes da realização da perícia médica para obter o benefício de forma retroativa.

Carreiras jurídicas usam mais o benefício

A proximidade com o campo jurídico é a principal característica de quem usa, a seu favor, a lei que dispensa aposentados com doença incurável de pagar Imposto de Renda. No Rio Grande do Sul, conforme levantamento realizado por Zero Hora, magistrados e promotores estão entre os que mais acionam o benefício, percentualmente.

Isso é atribuído ao conhecimento da legislação brasileira e à presteza dos serviços médicos de tribunais e do Ministério Público. O tema, porém, não deixa de ser controverso. Atualmente, 93 juízes e desembargadores têm o benefício, representando 23,6% num universo de 394 magistrados aposentados pelo Tribunal de Justiça do Estado. Entre procuradores e promotores, o índice sobe para 26,7%. A título de comparação, no regime geral de previdência, apenas 4,35% dos aposentados são dispensados de recolher o imposto.

Embora o TJ assegure que todos os benefícios estão amparados por lei, o assunto causa desconforto internamente porque alguns dos beneficiários evidenciam ter saúde ao seguir trabalhando, principalmente na advocacia. A lei não proíbe que o beneficiário tenha atividade profissional, mas há quem considere a prática uma imoralidade.

Essa questão está sendo analisada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em Brasília. O processo foi aberto a partir do pedido de um juiz gaúcho, com o objetivo de verificar eventual irregularidade nos documentos que embasaram as isenções na Justiça estadual.

Corregedoria avalia situação no Estado

O CNJ já pediu explicações ao TJ. Ao analisar as respostas, o relator do caso no CNJ, o conselheiro Jefferson Kravchychyn, entendeu que a maior parte dos questionamentos estava respondida e não tinha suspeitas de irregularidades. Sobre a questão dos aposentados que têm isenção, o relator escreveu: “...o TJRS apresentou cópia de toda documentação que originou os benefícios. (...) Todavia, conquanto não haja supostas irregularidades nos documentos de avaliação médica, verifico que os exames não foram realizados por um junta médica, o que, em tese, pode apresentar-se como uma ilegalidade.”

O relator determinou que cópia do expediente fosse remetida à Corregedoria do CNJ para apuração de eventual irregularidade. A Corregedoria abriu procedimento, que é sigiloso e segue tramitando.


Na casa de seu Ruy, o leão agora ajuda a pagar as contas
 
Não ter de pagar o Imposto de Renda, em função de uma doença no coração, desafogou o orçamento doméstico do aposentado Ruy Corrêa Sanches, 78 anos, de Porto Alegre.

O dinheiro que seria abocanhado pelo leão é reservado para quitar as contas de água, luz, condomínio e remédios, os quais necessita tomar regularmente, deixando entre R$ 150 e R$ 200 na farmácia, todo mês.

Ex-funcionário da CEEE, onde foi supervisor financeiro, Sanches precisou implantar uma ponte de safena em 1987. Ele não lembra bem, mas a isenção do IR veio automaticamente, o Sindicato dos Eletricitários do Estado (Senergisul) estava por dentro da legislação.

– A lei é muito boa, ajuda nas despesas da casa – diz Sanches, que nasceu em Santana do Livramento, na Fronteira, mas mora na Capital há cinco décadas.

Graças aos cuidados com a saúde, mais os medicamentos (vaso dilatadores e anticoagulantes) que ingere, leva uma rotina normal. Participa na administração da Federação dos Trabalhadores Aposentados e Pensionistas (Fetapergs) e é o tesoureiro do Lions Clube do bairro Menino Deus.

O que mais o aposentado aprecia é o sítio em Viamão, onde cultiva laranjas, bergamotas e caquis, além de preparar churrasco para a família.




Nenhum comentário:

Postar um comentário