domingo, 10 de junho de 2012

SAÚDE POR DECRETO

EDITORIAL ZERO HORA 10/06/2012


A Câmara dos Deputados aprovou na última terça-feira um projeto que fixa prazo máximo para o início de tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para pacientes com diagnóstico de câncer. Estes, de acordo com a legislação que ainda será votada novamente pelo Senado, terão direito a se submeter ao primeiro tratamento junto ao SUS em até 60 dias após a data de emissão do laudo patológico. A bem-intencionada proposta tem como autora a deputada Carmem Zanotto (PPS-SC), após constatar em registros do Tribunal de Contas da União, do próprio SUS e de hospitais que o tempo médio de espera entre a data do diagnóstico e o início do tratamento chega a 76,3 dias para a quimioterapia e 113,4 dias para a radioterapia. Na sua argumentação, a parlamentar lembra que o tratamento adequado, iniciado rapidamente, aumenta as taxas de sobrevida e reduz os gastos com a doença.

A providência é bem-vinda, pois a própria Organização Mundial da Saúde vem alertando que os casos de câncer no mundo deverão aumentar em 75% até o ano de 2030, principalmente em decorrência da obesidade e do tabagismo. No Brasil, atesta o Instituto Nacional do Câncer (Inca), 37% dos novos casos da doença estão relacionados ao fumo, mesmo com a proliferação de leis restritivas ao consumo de cigarros. Só no ano passado, o país gastou cerca de R$ 21 bilhões no tratamento de pacientes com doenças decorrentes do tabagismo, responsável por 13% das mortes em território nacional (o equivalente a 130 mil óbitos anuais, ou 357 por dia). O estudo é da Aliança de Controle do Tabagismo.

Diante de números tão assustadores, compreende-se que o Congresso Nacional busque remédios legislativos para atenuar as carências da saúde dos brasileiros, assim como tem feito o Judiciário quando concede liminares para que pacientes obtenham internação imediata ou medicamentos que não podem comprar. Ambas as ações, porém, são equivocadas – ainda que movidas pelos melhores propósitos e até mesmo pela urgência de salvar vidas.

A não ser em casos excepcionais, nenhum hospital, médico ou servidor da área de saúde deixa de internar um paciente ou iniciar rapidamente o seu tratamento por implicância ou má vontade. No caso da internação em UTIs, por exemplo, exceder a capacidade máxima significa colocar em risco a vida dos demais doentes. Quando um juiz obriga uma instituição hospitalar a dar atenção para um paciente grave, pode estar também obrigando-a a desatender outra pessoa na mesma situação. É o mesmo conceito do projeto de prazo mínimo para o atendimento pelo SUS, que já trabalha no limite de sua capacidade máxima de atendimento.

Em vez de ações pontuais, meritórias mas insuficientes, precisamos é de políticas públicas melhor planejadas e voltadas para o que realmente é prioridade para a população. Atendimento à saúde é obrigação dos governos em todos os níveis. A rede médico-hospitalar precisa contar com recursos suficientes para dar atendimento a todos – e não apenas aos contemplados por leis específicas e medidas judiciais esporádicas. Em vez de decretos, a saúde pública precisa de recursos bem aplicados, de investimentos na prevenção e na formação dos profissionais, de controle dos desvios e de cobrança de eficiência nos serviços.


 Editorial diz que leis e medidas judiciais não resolvem carências da saúde pública. Você concorda?


O leitor concorda


Sim, concordo, o fato da lei no papel não é solução. Cadê os hospitais? Cadê os médicos? A desorganização é tanta que pagamos caro e o serviço é péssimo. Na grande Porto Alegre, me informe quantos hospitais existiam em 1960 e quantos temos hoje, e o número de habitantes desta época? Não existe milagre. Luiz Carlos Soares, Canoas (RS)


Concordo. As leis e medidas judiciais não resolvem a carência da saúde pública, ainda mais no Brasil. Não existem políticas judiciais qualificadas, e sim negligência na saúde pública. Felipe Spuldaro, Marau (RS)


As leis e decisões judiciais não garantem acesso à saúde. As demandas da população, quanto a tratamentos, medicamentos, especialistas, são ilimitadas, enquanto os recursos públicos são limitados. A grande dificuldade, hoje, do gestor da saúde é definir o que é a prioridade, porque quando se faz isso, pode-se estar condenando alguns à morte. Triste é saber que aqueles que realmente precisam de medicamentos ou tratamentos, os quais não têm recursos para pagá-los, também não recorrem ao Judiciário. Muitos dos que entram com ações, sob o fundamento de que é dever do Estado garantir a saúde, teriam condições financeiras para arcar com os custos do próprio tratamento e não se dão conta de que ao fazerem isso estão condenando outros semelhantes. Ariana Vigannico da Silva, São Leopoldo (RS)


As reiteradas ações judiciais na área da saúde, infelizmente hoje necessárias, individualizam o problema e premiam o mau gestor, que tem então uma justificativa (decisão judicial) para utilização de recursos financeiros de maneira diversa daquela prevista na fictícia (e mal equacionada) lei orçamentária. Igualmente, uma decisão judicial sujeita o gestor a penalidades em caso de descumprimento (crime de desobediência, por exemplo), o que nos faz indagar se não é a ausência de penalidades mais rigorosas aos omissos administradores que permitem que se “terceirize” a gestão da saúde ao Poder Judiciário. Joel Silveira, Gravataí (RS)


As medidas judiciais começaram enfrentando casos de mau atendimento mas se tornaram um costume que, diante do perigo de vida, nem sempre leva em conta as condições mínimas de exercício da profissão médica e a capacidade dos hospitais. Usar a lei para forçar a viabilidade do atendimento médico é supor que a solução é simples questão de autoridade local. Se o Poder Legislativo exerce a função de aprovar os orçamentos e verbas públicas, tem a faca e o queijo na mão para suprir as carências da saúde pública. Mas, se o acesso à saúde é direito de todos, parece razoável supor que este, quando não puder atender, deva recorrer aos serviços privados ou outros meios disponíveis e eficazes naquele momento, em favor do paciente em risco. José Silveira, Brasília (DF)

O leitor discorda


Medida judicial se faz necessária quando não querem cumprir uma lei existente. Saúde pública é um pouco mais complicado. Precisa que haja bom senso, empenho de todos, corrupção zero, educação, emprego, saneamento básico, vacinações amplas, investimentos volumosos e bem direcionados com desperdício também zero. Não é bem o caminho que estamos tomando...José Luiz Bicca Heineck, São Gabriel (RS) 



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