sexta-feira, 8 de junho de 2012

VAMOS CONVERSAR, DOUTOR?


ZERO HORA, 08 de junho de 2012 | N° 17094


Flavio José Kanter, médico



Com este título, uma revista italiana publicou em 2011 matéria na seção de ciência sobre a relação médico-paciente. Foi o atento Alfredo Fedrizzi quem me enviou o recorte. O texto começa afirmando que o jargão técnico e expedito, visitas velozes e soluções cercadas de alta tecnologia deixam os doentes sem respostas, gasta-se mais, cura-se menos.

O resultado de uma pesquisa publicada em revista médica americana mostrou que em média transcorreram 18 segundos da consulta até o médico interromper a narrativa e começar a dirigir a entrevista com perguntas.

Outra revista médica inglesa revelou que em regiões onde há mais exames subsidiários e intervenções vive-se menos do que em outras onde intervenções diagnósticas, terapêuticas, procedimentos e remédios são racionados.

Fala-se em “slow medicine”, uma medicina sem pressa, que dispensa tempo ao paciente para expressar suas queixas e temores, únicos para ele. Não importa se já leu e ouviu expe- riências de outras pessoas, o que sente e fantasia é original. Como não importa se o médico que o atende já viu dezenas de “casos iguais”. Para o indivíduo, é novo. Se for ouvido e compreendido, poderá receber abordagem específica e individualizada, planos de acordo com suas características.

A medicina baseada em evidências torna viáveis decisões médicas com sólida comprovação em pesquisas científicas. Isso proporciona segurança para melhores práticas em cada situação. A doutora Rita Charon, da Universidade Columbia, em Nova York, propõe a medicina baseada em narrativa, que não substitui a baseada em evidências, soma-se a ela. Não se trata tão somente de escutar, mas é preciso integrar capacidades culturais e intelectuais para ouvir e entender o que cada um diz. Este conjunto de dados fornece informação preciosa, tanto quanto os números e relatórios dos exames obtidos das pessoas. Falta de tempo para ouvir pode levar a mais exames e intervenções, como se estes pudessem substituir uma boa entrevista. Não se trata de conversas intermináveis, meia hora de consulta pode ser o tempo suficiente para expressar fatos e sentimentos. Um paciente contou o motivo pelo qual gostou de atendimento domiciliar que recebeu: “O médico chegou, largou a maleta e sentou como quem veio para ficar”. Sentiu o médico disponível para as suas necessidades.

Esta preocupação poderia parecer supérflua no momento, com nosso sistema de saúde pedindo socorro. Pois eu penso que é por isso mesmo que não podemos esquecer os princípios fundamentais para o melhor exercício da medicina humana e de qualidade. Médicos não podem abrir mão do contato pessoal e sensível com seus pacientes
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