EDITORIAL ZERO HORA, 06/07/2011
A maquiagem dos investimentos em saúde pública, que se disseminou como prática na maioria dos Estados, oferece indícios de que a gestão dos recursos pode ser um problema maior do que a alegada escassez de verbas. São reveladores os dados de um levantamento do Ministério da Saúde, entre 2004 e 2008, segundo o qual os governadores declararam gastos totais de R$ 115 bilhões na área. Uma auditoria constatou que R$ 11,6 bilhões eram de despesas com outras atividades sem nenhuma relação com a saúde, como o pagamento de aposentadorias e pensões de servidores e até repasses para um fundo que financia casas para funcionários, como ocorreu em Minas Gerais.
A conclusão é alarmante: pelo menos 10% dos recursos foram desviados para outras finalidades. Quando o clamor que mais se ouve, sempre que o assunto é saúde, aponta a falta de verbas para custear desde programas de prevenção até tratamentos de alta complexidade, é lamentável constatar o desvio de dotações. E, o que é pior, a posterior manipulação da prestação de contas. Fica evidente no relatório do Ministério que as deficiências, reconhecidas em muitas áreas dos serviços públicos, são agravadas por desvios. Trata-se de um recurso ilegal e imoral, por retirar verbas de um setor essencial e transferir informações enganosas aos controladores dos gastos. Os Estados se dedicam a um ilusionismo, que só prejudica a população, pois não cumprem a determinação constitucional de destinar pelo menos 12% do orçamento à saúde.
O levantamento foi conduzido pelo governo federal, o que não o isenta de críticas. A União é questionada, em especial pelos prefeitos, por conspirar de forma contumaz contra os esforços para melhoria dos serviços, ao reduzir, ao invés de ampliar, os recursos que destina ao setor. Além das omissões deliberadas, há descontrole administrativo, provocado por incompetência e fraudes, como as que permitiram, entre 2007 e 2010, o pagamento de R$ 14,4 milhões, através do SUS, por procedimentos em pacientes que já haviam morrido. Essa é mais uma forma de manipulação de dotações, que permitia aos hospitais de cinco Estados cobrarem do governo federal por atendimentos que não prestavam, simplesmente porque os beneficiados já estavam mortos, como constatou uma investigação do Tribunal de Contas da União.
É assim que a delinquência se soma ao descalabro gerencial para ampliar o caos na saúde. Nesse contexto, nem mesmo a esperada regulamentação da Emenda 29, que promete impor regras para aplicação dos recursos, pode ser vista como solução milagrosa, se não for aperfeiçoada pelo Congresso. O que a própria discussão da Emenda denuncia é que União, Estados e municípios não conseguem convergir em pontos essenciais, para resolver esse que pode ser o grande impasse da saúde: a incapacidade gerencial, de todas as esferas, diante das demandas da população. O que o SUS precisa é de um choque de gestão, que racionalize investimentos, moralize as administrações e puna desviadores de recursos, desde o poder central até os governos estaduais e as prefeituras.
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