domingo, 26 de agosto de 2012

FILAS NOS POSTOS


ZERO HORA 26 de agosto de 2012 | N° 17173

O drama da espera por um especialista


CARLOS ETCHICHURY

ZH mostra a situação dos serviços de saúde nos quatro maiores colégios eleitorais do RS. Nestas duas páginas, veja as propostas dos candidatos a prefeito da Capital para o setor. Na sequência, conheça as alternativas apresentadas pelos candidatos de Caxias do Sul. Na segunda-feira, será a vez de conhecer as ideias dos concorrentes em Pelotas e, na terça, dos de Canoas.

Aos 66 anos, a diarista que criou sozinha três filhas fazendo faxina em casas de família é incapaz de arrumar sua própria cama. Doméstica aposentada, Natalina Fagundes Rosa aguarda, há 15 meses, pela consulta com um ortopedista e por uma cirurgia que corrija uma lesão no ombro direito.

Dona Natalina, como é conhecida na Vila Vargas, uma das áreas mais remotas do bairro Agronomia, exemplifica a lentidão do Sistema Único de Saúde (SUS) num dos gargalos da saúde pública na Capital: o atendimento com médicos especialistas.

O drama de Natalina se iniciou num acidente trivial, na Avenida Salgado Filho, centro de Porto Alegre. Ao desembarcar do ônibus, a aposentada se desequilibrou e caiu para trás, apoiando o peso do corpo no braço direito, deslocando o ombro. No posto de saúde da Vila Cruzeiro, onde recebeu o primeiro atendimento, foi medicada e liberada.

A rotina de Natalina se transformou. O casebre de quarto e sala, na Rua Marcelo Luiz, depende dos netos e das filhas para ser mantido em ordem.

– Não consigo nem estender a roupa no varal. É como se alguém estivesse me fincando uma agulha no ombro – resume a idosa, que conta com o auxílio de uma neta na hora do banho.

Como Natalina, há 75 mil pessoas aguardando pelas consultas com especialistas em Porto Alegre. São pacientes encaminhados pelas Unidades de Saúde da Família e pelas Unidades Básicas de Saúde (UBS). Conforme a Secretaria Municipal da Saúde, patologias que causam perda de função (como catarata e lesões na coluna) ou apresentam risco de morte (nas áreas de oncologia e cardiologia) são atendidas em até 30 dias.

Novo sistema deve garantir agilidade

Nos demais casos, a secretaria não dispõe de um tempo médio para consulta. O banco de dados do órgão revela, entretanto, que há pessoas aguardando há cinco anos na fila: um paciente espera desde 2007 por uma consulta com um ortopedista especializado em coluna.

– O principal problema, nesses casos extremos de demora, é o cadastro desatualizado e a falta de contato com os pacientes – diz o secretário Marcelo Bosio.

Pela versão do órgão, seria o caso de dona Natalina – embora ela resida há mais de uma década no mesmo endereço, conforme apurou a reportagem.

– Ela ainda não teve consulta com especialista, provavelmente, porque não foi localizada. A previsão é de que a consulta seja realizada até o final da semana (a última sexta-feira).

Na sexta, após ter sido procurada por ZH, a secretaria informou que a consulta ficou para terça-feira. Depois da consulta, diz Bosio, a cirurgia deve ser feita em até cinco dias. Segundo ele, está em curso a informatização para interligar a rede, que resultará em maior agilidade para identificar o número de pessoas que aguardam pelas consultas, as especialidades solicitadas e o tempo de espera.


Unidades aceitarão receitas da rede privada

A Secretaria Municipal da Saúde promete uma mudança que deve reduzir a burocracia na retirada de medicamentos com receitas de médicos particulares (ou convênios privados) em farmácias e unidades de saúde. Como consequência, aumentará a oferta de consultas em Unidades Básicas de Saúde (UBS).

Das 8 mil consultas diárias oferecidas para clínicos gerais, pediatras e ginecologistas, cerca de 1,6 mil (20%) são simples trocas de receitas – usuários que vão ao posto com uma receita de médicos privados para obter medicamentos pelo SUS. A partir do mês que vem, prevê o secretário Marcelo Bosio, será possível obter medicações com a apresentação de receitas de médicos privados, sem a necessidade de consulta com um profissional do SUS.

– As consultas apenas para troca de receita deixarão de existir, aumentando a oferta – acredita Bosio.

Outra dificuldade que o prefeito – eleito ou reeleito – terá de enfrentar são as filas nas UBS, que obrigam as pessoas a aguardar noites inteiras, na porta das unidades, pela distribuição de fichas. A principal aposta da atual administração é a informatização e a mudança cultural do atendimento. Hoje, o usuário chega à UBS e, não havendo mais consulta, volta para casa.

– Queremos que o usuário chegue e faça uma triagem, como já ocorre na UBS Bananeiras – complementa.

Via judicial é alternativa

A grande diferença na UBS Bananeiras é a inexistência de fichas. Todas as pessoas que procuram o posto são submetidas a uma avaliação prévia, que determina o grau de urgência do caso. Quem não precisa de atendimento no mesmo dia, já sai do local com a consulta agendada. Das 53 UBS de Porto Alegre, apenas uma funciona assim.

Enquanto a situação não se altera, a via judicial tem sido uma alternativa. De cada 10 pessoas que buscam auxílio na Defensoria Pública na Capital, em assuntos na área da saúde, quatro procuram agilizar consultas.

– Primeiro tentamos resolver na esfera administrativa para, depois, ingressar na Justiça. Acho que falta vontade política para resolver a situação – opina a defensora pública Paula Pinto de Souza, dirigente do Núcleo de Tutela da Saúde da Defensoria Pública do Estado.






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