sábado, 11 de agosto de 2012

POUCOS LEITOS, MAIS MORTES

ZERO HORA 11 de agosto de 2012 | N° 17158

UTIS NEONATAIS. Após a morte de gêmeos que nasceram prematuros e tiveram de ser internados inicialmente em UTI improvisada, sindicato dos médicos e Ministério Público prometem pressionar governo estadual por uma solução.

HUMBERTO TREZZI E JOICE BACELO


A batalha pela vida dos bebês recém-nascidos extrapolou o front médico. Após a morte de dois gêmeos de Piratini que peregrinaram por vaga em UTIs neonatais em Canguçu e Bagé, entidades de classe da área da medicina e o Ministério Público exigem providências das autoridades do setor público de saúde.

– As mortes ocorridas eram evitáveis. Aconteceram porque o poder público não contratou médicos em número suficiente, especialmente em Canguçu, onde a UTI Neonatal permanece fechada – critica o presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Paulo de Argollo Mendes.

O Simers publica hoje nota de protesto contra as mortes, nos jornais, e pretende pressionar promotores e juízes para que ajam. Argollo diz que existem médicos suficientes nesse tipo de especialidade no Estado. E mesmo o número de leitos está dentro da proporção preconizada pelo Ministério da Saúde. O que é preciso, argumenta o presidente do Simers, é pagar aos médicos salário de mercado e “Competir com o que oferecem as instituições privadas”, sugere. A UTI Neonatal de Canguçu, por exemplo, não abriu porque muitos médicos estariam recusando os vencimentos oferecidos pelo hospital local.

Hoje existem 514 leitos desse tipo no Estado, 370 deles custeados pelo SUS. Isso resulta em mais oferta que o preconizado pelo Ministério da Saúde, que seria de três leitos de UTI para cada mil nascidos vivos. Um dos problemas é a distribuição deles. A Região Metropolitana concentra 57% dessas vagas. Já as duas maiores cidades da Região Sul do Estado, Pelotas e Rio Grande, têm apenas 6% dos leitos.

A falta de leitos em UTIs neonatais em Pelotas motiva reuniões entre o Ministério Público e o Judiciário. É que, pelo menos uma vez por semana, juízes ou promotores locais recebem pedidos de internação de bebês em grave situação de saúde.

– Vamos pressionar pela abertura de leitos. Por meio de inquérito civil público, possivelmente. Se não for possível resolver isso com um termo de ajuste com as secretarias de saúde, vamos partir para uma ação civil pública – anuncia o promotor José Olavo Bueno dos Passos, da Promotoria da Infância e Juventude de Pelotas.

O secretário estadual de Saúde, Ciro Simoni, diz que tem procurado alternativas para minorar a peregrinação em busca de UTIs neonatais. Uma delas é estimular que os hospitais montem UTIs mistas, metade pediátricas, metade neonatais. A outra saída é suplementar o pagamento dos médicos de UTIs neonatais, já que vencimento é um dos fatores problemáticos. Um terceiro fator seria o mais difícil de driblar: a maioria das mortes ocorre com crianças muito abaixo do peso mínimo, de acordo com Simoni.


Mesmo reduzida, havia chance de sobrevivência

 TAÍS SEIBT  

As chances de um bebê nascido com 26 semanas de gestação sobreviver são pequenas, mas existem nas condições ideais de assistência.

– Nascer com 26 semanas não é bom em lugar nenhum. Em se tratando de gêmeos, o risco aumenta ainda mais, mas existem chances – diz o médico neonatologista da UTI do Hospital São Lucas, Humberto Fiori, professor da faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Segundo Fiori, a taxa de sobrevivência entre nascidos nesse período gestacional, não gêmeos, varia entre 20% e 50%. A gemelaridade agrava o quadro porque a gravidez de gêmeos é mais complicada, devido às condições do útero da mãe para o desenvolvimento de dois ou mais bebês. Em casos de prematuridade, os médicos tentam prolongar a gestação até pelo menos a 34ª semana.

Parto deveria ocorrer em local melhor equipado

Com 26 semanas, o bebê ainda não tem as circunvoluções cerebrais, estruturas que permitem o pensamento, o raciocínio lógico e estados subconscientes. Assim, a criança “esquece” de respirar e sofre apneia, sendo necessário o uso do respirador. Como o prematuro é muito frágil, o aparelho causa lesões no pulmão, que podem levar a doenças pulmonares graves. É comum, também, o sangramento do cérebro, que pode causar a morte da criança ou deixar sequelas.

O ideal é que a mãe seja transportada para um local equipado antes de dar à luz. Outra alternativa que reduz as chances de hemorragias cerebrais no recém-nascido é a injeção de corticoide na mãe, antes do parto.

O médico destaca que as condições de sobrevivência de um prematuro não dependem apenas do lugar em que ele nasce, mas de todo o acompanhamento pré-natal e pós-parto.


Enterro comove Piratini


Depois de três dias lutando pela sobrevivência, os gêmeos que receberam atendimento em uma emergência improvisada no Sul não conseguiram resistir. Alerrandro e Aleksander. O pai, Rafael Moreira, levava o corpo de um deles para ser velado em Piratini quando recebeu a notícia de que o outro também estava morto. Eles foram sepultados ontem, no interior do município.

O drama começou quanto Andrizi Quevedo deu entrada no Hospital de Caridade de Canguçu e teve início a peregrinação por instituições de saúde equipadas com UTI neonatal. Os médicos seguraram a gestação até a 26ª semana, porém na segunda-feira ou os bebês nasciam ou os três corriam o risco de perder a vida.

Alerrandro e Aleksander nasceram às 22h30min de segunda-feira, mas a Central de Regulação de Leitos do Estado informou que os bebês poderiam ser encaminhados para a Santa Casa de Caridade de Bagé, onde havia leitos disponíveis, mas no dia seguinte. Os prematuros enfrentaram uma viagem de 200 quilômetros e chegaram já com um dia de vida e menos chances de sobreviver.


Os leitos. Alta concentração na Região Metropolitana é um dos problemas
Fonte: *Neonatal (SUS e privados)

Município - Leitos - UTI
Alegrete 10
Alvorada 10
Bagé 24
Bento Gonçalves 7
Cachoeira do Sul 4
Cachoeirinha 10
Canoas 18
Caxias do Sul 45
Erechim 8
Esteio 5
Estrela 5
Ijuí 8
Lajeado 6
Montenegro 2
Novo Hamburgo 27
Passo Fundo 33
Pelotas 12
Porto Alegre 213
Rio Grande 9
Santa Cruz do Sul 4
Santa Maria 20
Santa Rosa 2
Santo Ângelo 10
São Leopoldo 12
Tramandaí 10
Total no RS 514

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