sábado, 11 de agosto de 2012

SAÚDE SEM MÉDICO

ZERO HORA 11 de agosto de 2012 | N° 17158. ARTIGOS

Paulo de Argollo Mendes*


Zero Hora publicou nesta semana mais um fato envolvendo a UTI neonatal de Canguçu, interditada há seis meses por não ter até hoje contratado médicos. Sem conseguir vagas em outros hospitais, após 10 dias de espera, leitos de UTI para dois recém-nascidos foram improvisados. Mais um capítulo dramático da novela da unidade de Canguçu que deve servir de exemplo do ocaso da assistência, a pública e a privada.

As dificuldades crescentes para usuários de planos acessarem uma simples consulta ou procedimentos têm relação direta com uma constatação: o sistema explodiu, chegando a 47,6 milhões de segurados (25% da população do país) e não houve uma correspondência em aumento de oferta de serviços credenciados, e a que existe, de tão desvalorizada, enfrenta evasão. Este é o quadro na área médica.

E na hora de cobrar pelo atendimento, tanto o gestor público (União, Estados e municípios) quanto as operadoras (reguladas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar) deveriam prestar contas, executado o que está na Constituição Federal (SUS) e nos contratos dos planos comprados pelos usuários. São dois extremos: recursos de menos nos governos e mal direcionados, e recursos demais na rede suplementar – a receita das empresas avançou quase 200% (!) entre 2003 e 2011, mas que não foram investidos na melhoria da remuneração dos prestadores. O valor da consulta médica, por exemplo, foi corrigido em apenas 65% no mesmo período.

Na administração do SUS, como em uma empresa, tem a fase do projeto, da aprovação do plano junto aos órgãos da saúde, da obtenção do dinheiro para o projeto e a execução. Em que etapa, houve de forma responsável o dimensionamento do custo de contratação de médicos para assegurar o pleno funcionamento da UTI de Canguçu?

Novamente, cabe alertar que não faltam médicos para atuar nos serviços. O Estado tem o dobro de profissionais de que a população precisa, segundo dados do Ministério da Saúde. O que é insustentável é a conduta irresponsável de administradores públicos, em sua maioria cargos de indicação política (cujos ocupantes mudam a cada quatro anos), na hora de entregar o que a população precisa.

A dificuldade em preencher postos médicos em diversas instituições é hoje o entrave número 1 ao funcionamento dos serviços. Na Capital, na Região Metropolitana ou no Interior, há hospitais com leitos fechados ou subutilizados porque não são contratados especialistas. E a razão é simples e envolve planejamento: o sistema de saúde deve ser dimensionado para dar conta do potencial de demandas dos pacientes. Depois de termos isso, parte-se para montar a rede – da básica ao nível terciário (hospitalar).

Pouco disso tem sido considerado. Senão, como explicar que ao montar as equipes economiza-se exatamente no que é o elemento fundamental do tratamento: o médico? O Estado perdeu 30% das vagas de internação no SUS nos últimos 20 anos, e o que restou opera abaixo da capacidade, sobrecarregando outras estruturas (fenômeno da superlotação das emergências). Por quanto tempo ainda gestores lutarão contra o sentido terapêutico da vida? Não bastam leitos, UTIs, postos e equipamentos sofisticados, se falta o médico. Problema é que querem contratá-lo com propostas que já fracassaram faz tempo.

*MÉDICO, PRESIDENTE DO SINDICATO MÉDICO DO RIO GRANDE DO SUL

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