sábado, 5 de outubro de 2013

A ARTE MÉDICA DE SHERLOCK HOLMES

ZERO HORA 05 de outubro de 2013 | N° 17574

ARTIGOS

Franklin Cunha*



O criador do detetive Sherlock Holmes, como todos sabem, foi o médico inglês dr. Arthur Conan Doyle (1859-1930). Seu amigo, assistente e biógrafo, foi o dr. John Hamish Watson, personagem de ficção que fez o mundo conhecer as façanhas do arguto personagem, descritas com um estilo intrigante pelo famoso detetive que provou ser extremamente talentoso nas artes da literatura. Por ser médico, Conan Doyle, empregava rigorosamente o método da semiologia médica, para desvendar obscuros casos de assassinatos. A partir de sinais e sintomas, adicionados de perspicazes observações e paixão pela justiça, chegava sempre ao autor do crime. Munido apenas com uma lupa, ao detectar um fio de cabelo no espaldar de uma poltrona, cinzas de charutos no tapete, uma palavra ou expressão facial do investigado, era tudo o que Conan Doyle necessitava para chegar às suas brilhantes e acertadas conclusões. E sem o coice na porta, a invasão de domicílio e a tortura.

O aspecto pouco observado nos contos de Doyle é a fina ironia que ele exerce ao ter como assistente de investigações exatamente o dr. Watson, um médico que nunca entendia o semiótico raciocínio investigativo de seu chefe. Pronunciada desdenhosamente, a conhecida frase “ elementar, meu caro Watson” talvez fosse endereçada a certos médicos de sua época que elaboravam diagnósticos equivocados e prescreviam terapêuticas inúteis.

Discute-se atualmente, se, para se detectar doenças na prática médica diária, são indispensáveis e fundamentais as sofisticadas tecnologias de múltiplos exames laboratoriais acrescidos de refinadas imagens radiológicas, ecográficas, tomográficas, cintilográficas, de ressonâncias magnéticas e outras. Sob o ponto de vista do médico, todas são esclarecedoras e confortáveis, pois, nos poucos minutos que sobram para o paciente, o diagnóstico quase sempre é feito. Mas, para o lado das inseguras e atemorizadas pessoas que procuram algo além da bateria de exames, tais como tempo para falar, expressar suas angústias, contar sua vida e perceber que têm a sua disposição ouvidos e olhares atentos e amorosos, os exames não são suficientes. E a queixa frequente é de que “o doutor nem me olhou, só examinou os exames”. Então, se a tecnologia diagnóstica é colocada prioritariamente como uma parede entre o médico e quem o procura por se julgar doente, de forma a interromper o indispensável relacionamento médico-paciente humano, este, sim, fundamental no exercício da arte médica, é urgente que se reformule todo o procedimento da cura de doenças e da manutenção da saúde, principalmente das populações pobres do país.

A lupa única de Conan Doyle e sua paixão pela justiça, uns poucos exames, o afeto e o respeito ao paciente no exercício da arte médica, são condições pontuais e necessárias, a primeira para se descobrir o autor de um crime e as outras para se cumprir o que Maimônides, há mais de mil anos ensinou: “Ao paciente, deve-se dedicar uma hora: 15 minutos para examinar-lhe o corpo e 45 minutos para sondar-lhe a alma”.


*MÉDICO

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