segunda-feira, 21 de outubro de 2013

O BRASIL NÃO MERECE O BRASIL



JORNAL DO COMERCIO 21/10/2013


Ana Cecília Romeu


“O Brasil não merece o Brasil” – foram algumas das últimas palavras do poeta Wilson Caritta Lopes ao fazer alusão à frase da música “Querelas do Brasil”, de Aldir Blanc, antes de tornar-se mais uma das vítimas fatais do sistema público de saúde em nosso país. Wilson ainda deixou registrado em rede social da internet: “Pela dignidade humana, faça o possível para manter um plano médico capaz de te acolher em caso de necessidade. (...) Saúde pública no Brasil não existe”. Não raras vezes, são noticiados casos de fatalidades provocadas pelo caos em que se encontra há tempos o Sistema Único de Saúde (SUS); mas quando se trata de um conhecido, a injustiça torna-se a parente mais próxima.

Vidas interrompidas pelo descaso passado de um governo a outro. Sonhos de famílias inteiras decepados, projetos cancelados, afetos separados à força. A certeza de que cada manhã assinala mais horas de vazio: acordar para um pesadelo todos os dias. Na espera por um atendimento do SUS, aglomeram-se desde bebês com dias de vida até idosos com mais de 80 anos. Princípio e fim na mesma sina, como se nós brasileiros fossemos super-heróis imunes à kriptonita do desgoverno. O caos da saúde pública, de tão instituído, já se tornou uma convenção com passaporte carimbado à conformidade. E o voto, cada vez mais, se parece com um game configurado no modo mais avançado, pois está mais difícil separar o joio do trigo quando existe tanto joio.

Saúde e justiça são irmãs da mesma verdade e parceiras da mesma dor. Em um país que não acolhe os seus, nos resta o poema eterno: a sequência que se tece a partir da união dos amigos. Uma voz pacífica, mas nunca passiva, de quem assistiu a alguém viajar apenas com bilhete de ida. E cumpre-se o que um dia escreveu o poeta Wilson Caritta Lopes: “um anjo mora acima do poema...”. Anjos que sobem prematuramente e deixam obras, família, amigos, amores, mas que se eternizam na sequência do olhar, da voz e da vez de quem um dia sorriu junto a eles.

Publicitária e escritora

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