sábado, 22 de janeiro de 2011

CAOS AFLINGE E SOBRECARREGA MÉDICOS


SOS HOSPITALAR. Emergências lotadas afligem médicos - Zero Hora 22/01/2011

Atendimento de urgência no Clínicas, no Conceição, no São Lucas e na Santa Casa, em Porto Alegre, segue congestionado

Que os pacientes são as maiores vítimas do colapso das emergências nos hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS), todos sabem. O que talvez a população não conheça, ao menos plenamente, é como a sobrecarga afeta o trabalho de médicos, enfermeiras e auxiliares.

Encarregados de salvar doentes graves, eles se sentem inseguros, estressados e angustiados com o excesso de responsabilidades (confira depoimentos).

Ontem, numa rotina que se agravou durante a semana, as emergências dos maiores hospitais da Capital continuavam saturadas.

A causa do esgotamento é recorrente em todos os estabelecimentos: faltam leitos equipados para tratar enfermos graves (de coração, pulmão e câncer) após o atendimento emergencial. Sem poder transferir os pacientes para as alas de internação, as emergências se mantêm ocupadas. Sem contar que o ingresso de doentes é crescente. O resultado é que médicos, enfermeiras e auxiliares atuam no limite, além do que seria recomendado.

Emergências - A situação de ontem 21/01/2011

- Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) 137 pacientes para 49 leitos
- Hospital São Lucas 26 pacientes para 15 leitos
- Hospital Santa Casa 28 pacientes para 12 leitos
- Hospital Conceição 129 pacientes para 50 leitos

“É o que a gente consegue” - Leonardo Fernandez - Chefe do Serviço de Emergência da Santa Casa, Fernandez, 46 anos, acredita que a gestão da saúde do país tem problemas, mas eles não serão resolvidos enquanto não houver aumento dos investimentos na área. Ontem, Fernandez falou com ZH sobre a rotina numa emergência superlotada:

“A emergência da Santa Casa está sempre lotada, com até 200% da capacidade. As pessoas acabam sendo acomodadas em macas, poltronas. É o que a gente consegue fazer, como de resto se faz em outras emergências. É um desgaste para os pacientes, para nós, médicos, para os enfermeiros, para os técnicos, para os familiares.

A população vê as pessoas amontoadas e o problema da falta de espaço físico salta aos olhos. Mas este problema nem sempre é o mais grave. Muitas vezes, a assistência fica prejudicada porque não tem recursos humanos parados, disponíveis, para atender de uma hora para outra um volume tão grande de pacientes. Em consequência, há atrasos na administração de medicamentos. Às vezes, as medicações podem ser administradas erradas.

Nós, periodicamente, temos surtos de infecções em Porto Alegre, e um dos motivos é a superlotação destes locais. Imagina que cada paciente tem de ser atendido por um técnico de enfermagem, por um médico, e estes profissionais têm de lavar as mãos e se higienizar para tocar em outra pessoa. Em algum momento, as mãos podem não ser lavadas adequadamente. E acabam sendo transmitidas infecções. Sem falar no fato de serem pacientes com diversas suspeitas acomodados em um mesmo ambiente: um com suspeita de tuberculose, outro com suspeita de meningite, outro com câncer. É um risco absurdo. A internação hospitalar, hoje, no Brasil, talvez seja mais risco do que benefício, sobretudo se a permanência for longa e o paciente, uma pessoa idosa.

“É uma panela de pressão” - Paulo Atanazio - Há 11 anos atuando no setor de emergência, Paulo Henrique Miler Atanazio, 42 anos, alerta que a superlotação de pacientes deixa os médicos inseguros e estressados. Confira o depoimento do clínico e pneumologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA):

“Sempre há mais pacientes para cuidar do que o ideal. Sempre há a insegurança se o procedimento certo está sendo feito, porque não há tempo de revisar com calma os casos. Opta-se pela conduta que, em um primeiro momento, parece a mais acertada. Não sobra tempo para se analisar detidamente cada caso e revisar as possibilidades diagnósticas e terapêuticas.

Procura-se usar o critério da gravidade para o atendimento de qualquer paciente. Naqueles que aguardam a consulta inicial, há uma classificação de risco: os mais graves são assinalados com uma bandeirinha roxa. Depois, vêm os com bandeira vermelha. Depois, os amarelos e os verdes.

É comum se receber vários pacientes com bandeira roxa ao mesmo tempo. Mas outros colegas ajudam. Sempre tem cobertura. O grande problema, no entanto, são os pacientes de maior complexidade, que ficam na emergência por dias, sem que se consiga chegar a um diagnóstico e a uma proposta terapêutica coerentes. Por conta do excesso de pacientes, falta tempo para uma análise mais detalhada desses casos.

Pela falta de leitos, os pacientes ficam sentados três ou mais dias, frequentemente com piora dos sintomas. Como o médico é quem atua na linha de frente, acaba recebendo as queixas dos pacientes e familiares pela demora nos procedimentos, situação sobre a qual não tem ingerência.

Trabalha-se numa panela de pressão. O estresse é violento.”

“É difícil lidar com isso” - Fernanda Longhi - Coordenadora da Emergência do Hospital São Lucas, a médica Fernanda Longhi, mestre em Medicina, experimenta um misto de angústia e impotência: depara com pacientes idosos, debilitados, acomodados em cadeiras incômodas, à espera de um leito:

“A situação mais angustiante na emergência é ver um idoso, debilitado, mal acomodado por falta de leitos no hospital. É bem difícil lidar com essa situação, que é diária.

Para amenizar o sofrimento de pacientes e familiares, mobilizamos uma equipe multidisciplinar envolvendo Serviço Social e Psicologia, que nos tem dado um apoio importante.

Outro estresse diário é administrar a sala destinada ao atendimento de pacientes que chegam em parada cardíaca. Esses pacientes precisam ser atendidos imediatamente na sua chegada, o que exige leito disponível. Após, devem ser direcionados a uma UTI, que também encontra-se constantemente lotada. Então, em razão dessa superlotação, os pacientes acabam ficando internados na própria sala de parada. Todos os dias é feito um grande esforço no hospital para a acomodação dos pacientes. Outra situação estressante é manter o fluxo do atendimento, o que nem sempre é possível. No lugar destinado ao atendimento, há sempre alguém internado. Não é fácil.

Para organizar a nossa rotina, damos prioridade para os pacientes muito graves, que precisam receber atendimento imediato porque têm risco iminente de vida. Depois, os pacientes da urgência, que podem esperar até uma hora. Por fim, os pacientes de menor risco, que podem esperar até seis horas. Na maioria das vezes, conseguimos respeitar esses tempos, mas há ocasiões em que o tempo de espera se prolonga mais do que o preconizado, infelizmente.”

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