sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

SAÚDE SEM LEITO NAS EMERGÊNCIAS


SAÚDE SEM LEITO. Colapso na emergência hospitalar. Falta de vagas para internação faz com que setor emergencial dos principais estabelecimentos da Capital enfrentem superlotação - NILSON MARIANO, ZERO HORA 21/01/2011

Pacientes de pé, os braços conectados ao pedestal que prende a vasilha do soro. Idosos dormindo em cadeiras, enquanto aguardam o resultado de exames. Doentes graves à espera de um leito para internação há 10 dias. Macas e poltronas nos corredores. Médicos exaustos, enfermeiras se desdobrando para aliviar a sinfonia de gemidos. O cenário não é o de uma improvisada enfermaria em tempos de guerra, mas a emergência do Hospital de Clínicas Porto Alegre (HCPA). O quadro se repete no atendimento emergencial dos outros três principais estabelecimentos da Capital.

Na última semana, o Clínicas entrou em alerta vermelho: a emergência poderia atender a 49 pacientes, mas a média vem oscilando entre 120 e 140. Ontem, às 16h, havia 125 adultos no setor e 16 na sala de espera.

– Até o dobro da capacidade, conseguimos suportar. Depois, fica inviável – avisa o administrador da emergência, Daniel Barcelos.

Transitando há 20 anos na emergência do HCPA, o clínico e nefrologista Gérson Nunes ressalta que o drama “é crônico” e parece não sensibilizar as autoridades. Sobrecarregados e aflitos com a situação, médicos, enfermeiras e auxiliares atuam no limite.

– A gente trabalha com vergonha, chateado, constrangido – diz Nunes.

A causa do esgotamento é a falta de leitos para o pós-emergência. Os pacientes entram no Clínicas e ficam no setor, porque não há vagas para internação depois do atendimento. Mas o número dos que chegam supera o dos que saem. Há doentes que ficam uma semana, 10 dias, à espera de transferência. Já houve quem morresse na emergência, à espera de internação.

Além da falta de leitos, exames entram em fila

É uma questão matemática. Os 700 leitos da ala de internação estão invariavelmente ocupados. Logo, os pacientes da emergência não podem ser removidos. Há leitos em outros hospitais, mas Nunes diz que não são equipados para casos complexos.

– O que precisamos é de leitos com capacidade de resolver. E isso não existe – reclama.

A suposição de que as emergências lotam porque alguns pacientes deveriam, antes, consultar nos postos de saúde não se confirma. O administrador Barcelos esclarece que apenas 2% não precisariam do atendimento especializado. O percentual não influi no excesso. Depois de medicados, eles voltam para suas casas.

– O problema é a falta de leito. Pacientes estão completando o tratamento na emergência, quando deveriam ir para a internação – repete Barcelos.

A saturação se reflete em todos os serviços. A agenda de exames atrasa. Nas tomografias e ecografias, a prioridade é para os pacientes graves. Barcelos nota que muitos procuram o Clínicas em busca de um diagnóstico preciso, depois de peregrinar em vão pela rede do Sistema Único de Saúde (SUS).

Causou surpresa que a emergência superlotasse no verão, no período de férias. O médico Nunes diz que não há novidade. E desabafa:

– Sempre foi assim. Não há crise alguma agora, não há uma explicação nova. Sempre foi ruim. O problema é crônico, às vezes se torna público.

Nunes e seus colegas sentem-se expostos, constrangidos. Ele relata uma conversa que teve com um paciente, ilustrativa da precariedade:

– Pensei que ia ser internado hoje – diz o doente.

– Não, o senhor terá de aguardar leito. Isso pode levar dias, semanas – explica o médico.

– Ficarei sentado, esperando? – questiona o paciente, preparando-se para o sacrifício.

– Não, o senhor ficará de pé, porque não tem lugar para se sentar...

Paciente em cadeira desde terça-feira

Sentado em uma cadeira, a cabeça recostada à parede, Leo Miguel Niederle, 65 anos (foto), está na emergência do Clínicas desde às 7h30min de terça-feira. Veio de Ivoti com dores abaixo do abdômen. Às 21h30min de ontem, 62 horas depois de dar entrada no setor, aguardava o resultado de exames.

– Sigo esperando – balbuciou.

Leo Miguel sente dores até para falar. Às vezes, tenta dormir na cadeira, vencido pelo cansaço. Nas noites que passou na emergência, não pôde se deitar. O rosto contraído, uma lágrima escapava-lhe pelo olho esquerdo.

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