quinta-feira, 22 de março de 2012

DE QUE SÃO PEDRO ESTAMOS FALANDO?

FLÁVIO SHANSIS, MÉDICO PSIQUIATRA, PROFESSOR DA RESIDÊNCIA EM PSIQUIATRIA DO HOSPITAL SÃO PEDRO, ZERO HORA 22/03/2012

As reportagens de ZH publicadas no domingo e na segunda-feira são importantes e alertam a comunidade gaúcha sobre o fim gradual de uma era: o abandono de doentes psiquiátricos crônicos, desvalidos e renegados por suas próprias famílias. Nesse aspecto, portanto, muito bem-vindas as informações. Contudo, o que me motivou a escrever este texto foi a impressão que, porventura, possa ter ficado: a de que o Hospital Psiquiátrico São Pedro (HPSP) é uma instituição “crepuscular” e que, aos poucos, prepara-se para seus dias derradeiros.

Ora, o HPSP não apenas não vive tempos decadentes como, ao contrário, na última década, paulatinamente, vem incorporando novos desafios. Os pacientes que são “moradores” fazem parte de um capítulo muito triste da história da doença mental no mundo e assim também se deu no HPSP. Mas o São Pedro é muito mais do que a “ala dos crônicos”.

Meu vínculo com o HPSP é do tipo colaborativo na qualidade de professor da Residência em Psiquiatria e de coordenador do Programa de Ensino e Pesquisa em Transtornos de Humor (PROPESTH). Nossa Residência possui 16 médicos em formação, com um currículo atualizado e renovado de acordo com as diretrizes da Associação Brasileira de Psiquiatria. Os residentes atendem a mais ampla gama de pacientes – tanto internados quanto ambulatoriais – com transtornos de humor, esquizofrenia, t. de ansiedade, t. de dependência a drogas, entre outros. Na Residência utilizam-se tratamentos farmacológicos atuais, assim como psicoterápicos e psicossociais. Várias instituições educacionais do Estado utilizam as dependências do HPSP como campo de formação. O Departamento de Ensino e Pesquisa (DEP) possui salas de aulas, biblioteca e um Comitê de Ética local que avalia pesquisas lá realizadas. “Esvaziamento”?

Por último, um pouco sobre o PROPESTH. Tem uma equipe de 28 pessoas entre professores, residentes e acadêmicos de Medicina e atende gratuitamente toda sexta à tarde portadores de transtorno bipolar e unipolar. Realizamos uma pesquisa fundamental com mais de uma centena de pacientes ambulatoriais que trata de custo-efetividade sobre medicações psiquiátricas disponíveis no SUS, com verba nacional da Capes. Lá estão em andamento um trabalho de pós-doutorado, duas teses de doutorado e uma dissertação de mestrado, todos vinculados aos programas de pós-graduação em Psiquiatria e Ciências Médicas da UFRGS. E, assim como o PROPESTH, existem muitas outras áreas muito atuantes, como a única Unidade de Internação Psiquiátrica da Infância e Adolescência do Estado.

Portanto, não há crepúsculo. O que está por findar é apenas um infeliz capítulo que mistura preconceito e pobreza. O HPSP não está esvaziado. E essa é uma ótima notícia para a qual a sociedade gaúcha – que necessita atendimento público de muito boa qualidade – deve também estar informada.

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