quarta-feira, 7 de março de 2012

TSUNAMI - LOTAÇÃO CHEGA A 340% NO HOSPITAL CLÍNICAS DE PORTO ALEGRE


SAÚDE EM EMERGÊNCIA. Sindicato médico classificou com “tsunami” o número de 216 pacientes que procuraram atendimento no hospital de Porto Alegre - ANDRÉ MAGS, ZERO HORA 07/03/2012

Um mar de camas, cadeiras de rodas e muita gente doente compôs o cenário que rendeu ontem um recorde negativo ao sistema de saúde em Porto Alegre. Em um dia de calor na rua e de lamentações no interior do Hospital de Clínicas, a superlotação chegou a 340% na emergência do SUS, marca que surpreendeu profissionais de longa data de serviço no estabelecimento.

No meio da tarde, o número de pacientes no aguardo de atendimento chegou a 216, marca definida como “tsunami” pelo Sindicato Médico do Estado (Simers). O Clínicas conta com 49 leitos – tidos como destino cobiçado pelos doentes, que se referem à obtenção de uma vaga como “subir”.

A cena provocada pela superlotação lembrava um hospital de campanha, onde feridos de uma guerra inglória se amontoariam em locais improvisados. Acostumados à superlotação do setor, o inchaço passou visualmente despercebido por parte dos funcionários, mas o número superior a duas centenas de pacientes causou surpresa.

– Estou aqui desde 2004 e nunca houve esse número na emergência – disse a chefe do Serviço de Enfermagem em Emergência, Lurdes Busin.

Recentemente, uma área onde ficava uma agência do Banco do Brasil foi integrada ao hospital. Ontem, 60 pessoas estavam acomodadas ali, “da forma que é possível”, ressaltou Lurdes, às 16h30min.

Alta procura surpreende autoridade da saúde

A época em que ocorreu o pico de superlotação do Clínicas surpreendeu o secretário adjunto da Saúde do município, Marcelo Bósio. Ele promete que a causa será estudada, mas acredita que a chamada intercorrência (quando alguém ganha alta mas acaba tendo de retornar ao hospital) seja um dos fatores da alta procura.

O problema da superlotação dos hospitais, destacou Bósio, está sendo combatido pela informatização do sistema de saúde, que poderá informar aos gestores sobre a condição de cada unidade e dos pacientes. Bósio rejeita que a atenção primária esteja deficiente no município, especialmente no trato de doentes crônicos:

– A pessoas podem procurar os pronto atendimentos, que atendem pacientes crônicos. O que houve hoje (ontem) foi uma procura espontânea. O maior volume de pacientes não é para atendimento de gravidade.

O drama de um ex-ferroviário

De andar lento devido à artrose, porém resoluto, Norma Conceição Bandeira Severo, 70 anos, percorreu os recônditos do Hospital de Clínicas, com os olhos vivos à procura de um médico para o marido, o ex-ferroviário Anaurelino Rodrigues Severo, 74 anos. Ela acabara de chorar, apavorada, com o inchaço dos pés de Severo, que pareciam dois balões cheios. Voltou sem novidades, mas confiante de que o companheiro há 57 anos seria atendido depois de mais de 12 horas sentado em uma cadeira.

– Ainda não consegui falar com o médico, mas não vou deixar ele nessa cadeira. Ele é a joia da minha vida – bradou, no meio de um quarto com outros três pacientes.

Norma o abraçou levemente. Não deram as mãos porque as de Severo estão eternamente crispadas pelas décadas de trabalho inclemente sob chuva, sol e uso de materiais nocivos, como o cresoto, material utilizado para tratar os dormentes dos trilhos. Além do problema cardíaco que resultou em duas operações, Severo suporta a artrite reumatoide. Para as próximas horas, ele esperava não passar pelas dores que teve durante a manhã. O casal, morador de Gravataí, esperava poder voltar logo para casa.

– De manhã, amanheceram duros os pés e as mãos. Se não fosse minha mulher, não sei. Ela se dá bem comigo. A gente não faz nada sem concordar com tudo primeiro – disse Severo.

ENTREVISTA. “A superlotação é de longa data”

Lurdes Busin, chefe do Serviço de Enfermagem em Emergência do Hospital de Clínicas
Por telefone, a chefe da enfermagem do Clínicas comentou a superlotação nunca vista por ela no hospital desde 2004, quando ingressou na instituição.

Zero Hora – Não é inverno, como explicar esta situação no hospital?

Lurdes Busin – Não são doenças diarreicas nem desidratação, que são típicas do verão. São pacientes com doenças crônicas, que apresentaram piora no quadro por não terem acompanhamento da sua doença.

ZH – O que significa ter esse tipo de paciente lotando o hospital?

Lurdes – Significa falta de rede de assistência para esses pacientes fora das emergências. São pacientes com câncer que tiveram complicações, com doenças cardíacas, com doenças pulmonares, renais, que não conseguem atendimento nas unidades básicas, no Programa de Saúde da Família ou nos pronto atendimentos e caem nas emergências.

ZH – O que mudou hoje na rotina de vocês?

Lurdes – Temos uma realidade, que é a superlotação de longa data. Temos toda uma série de medidas acordadas com o gestor para tentar sobreviver com isso, como procurar disponibilizar leitos de média complexidade ou baixa para alguns pacientes que podem ir para outros locais.


Os números

A lotação de ontem em outras emergências do SUS - Hospital Conceição – 130 pacientes para 50 leitos; Santa Casa – 27 pacientes para 12 leitos

A situação do Hospital de Clínicas ontem à tarde - Pacientes 216; Leitos 49; Pacientes de menor gravidade 40%; Pacientes de outras cidades 30%

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