quinta-feira, 22 de março de 2012

OS ESQUECIDOS

PAULO DE ARGOLLO MENDES, MÉDICO, PRESIDENTE DO SINDICATO MÉDICO DO RIO GRANDE DO SUL (SIMERS)- ZERO HORA 22/03/2012

Reportagem de Zero Hora sobre o destino dos chamados pacientes asilares do Hospital Psiquiátrico São Pedro tem o grande mérito de erguer uma ponta do tapete que encobre há quase 20 anos o processo avassalador de esvaziamento do manicômio. Ao apontar a ocorrência de três mortes de portadores crônicos de transtornos psiquiátricos desde 2011 (as que sabemos), que tiveram este fim após serem alijados do ambiente em que estavam protegidos, impõe-se um questionamento. Qual foi o destino e onde estão os milhares de pacientes que residiam na instituição e que foram desalojados e colocados em residenciais, em moradas ou nas ruas?

Sob o pretexto de “humanizar” e desinstitucionalizar esses enfermos, processo cujos critérios sempre foram e continuam a ser altamente questionáveis, enxugou-se a população que habitou por décadas o hospital, único público remanescente e que só perdeu a vitalidade por ter sido alijado das políticas de investimento em saúde – estaduais e federais. O São Pedro (sua decadência) e seus milhares de internos foram frutos da atitude da sociedade para com seus psicóticos, esquizofrênicos e depressivos. Claro que não se imagina hoje uso de internações prolongadas. O avanço da medicina e, em especial, da farmacologia reduziu esse tipo de recurso a situações agudas, quando há risco ao paciente ou à família. Mas o grande erro foi querer usar esses residentes, dependentes dos cuidados que tinham no hospital, como estandartes de um processo de extermínio dos manicômios.

Desde 1993, na esteira da reforma psiquiátrica gaúcha, que inspirou o modelo erigido pelo Ministério da Saúde, sabe-se que houve um desmonte do setor no SUS. Somente no Estado foram extintos 1.618 leitos psiquiátricos (havia 3.633 e hoje são 2.015 – corte de 44,5%). Em Porto Alegre, a redução foi de 72% (1.834 vagas viraram 496, quase 20 anos depois). Com este enxugamento, os leitos ocupados pelos pacientes asilares, que mantiveram a assistência médica, medicação e outros cuidados, deixaram de ser considerados para novas internações.

Chama a atenção que o paciente Ziomar Martins tenha morrido exatamente um mês após ter sido transferido à Morada São Pedro, na qual, como ZH descreve, os ocupantes ficam à mercê de traficantes.

Ziomar morreu e ninguém deve ser responsabilizado? Se ele estivesse no hospital poderia ter sido rapidamente socorrido? O problema que acometeu o ex-paciente ocorreria se ele estivesse no local onde recebia cuidados havia mais de 20 anos? Há de reconhecer-se, no entanto, que ao deixar de dar sustento, atenção e abrigo a esses 5 mil cidadãos, os governantes liberaram vultosos recursos para uso em setores que trazem visibilidade e votos. Muitos desses homens e mulheres, abandonados ao relento, dormindo sob pontes ou marquises, morreram com o diagnóstico de pneumonia ou tuberculose. No atestado de óbito e nas estatísticas, não consta doença psiquiátrica, nem a verdadeira causa do óbito: incapazes entregues à sua própria sorte.

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