domingo, 11 de março de 2012

ÓBITO DE 12 CRIANÇAS E FALTA DE PESSOAL FECHAM UTI DE HOSPITAL


SOB INVESTIGAÇÃO. Morte de bebês estarrece Canguçu. Falta de pessoal e óbito de 12 crianças em três meses provocaram o fechamento de UTI do Hospital da Caridade de Canguçu, gerando comoção na cidade - CARLOS WAGNER, HUMBERTO TREZZI E JOICE BACELO | CANGUÇU

Canguçu, município de 53 mil habitantes na Metade Sul do Estado, está em choque.

A UTI Neonatal do Hospital de Caridade – um sonho acalentado há anos pela comunidade – foi fechada após apenas três meses de funcionamento pela Secretaria Estadual de Saúde (SES). As razões: falta de médicos suficientes para manter a unidade criada para ser referência regional e uma mortalidade de bebês bem acima da média. Nos 90 dias de funcionamento, morreram no local 12 bebês dos 45 atendidos. Conforme a Secretaria Estadual de Saúde (SES), a proporção na casa de saúde de Canguçu foi de 80 óbitos para cada mil nascimentos no hospital, no primeiro mês de vida. A média nas UTIs neonatais gaúchas, segundo a secretaria, é de 13 mortes para cada mil nascimentos.

– Faltava pessoal. Além disso, estava com uma taxa de mortalidade bem acima do usual, mesmo com pouco tempo de funcionamento. Nesses casos, tem de parar e ver o que ocorreu – afirma o secretário estadual de Saúde, Ciro Simoni.

Conforme as primeiras conclusões da apuração feita pelo governo do Estado, não houve epidemia na UTI. Os bebês morreram de causas diferentes, e a suspeita é de que as mortes tenham ocorrido por um fator bem humano: pressa. Na ânsia de abrir a unidade, faltaram especialistas habilitados. A UTI de Canguçu começou a funcionar com dois médicos e, depois de algum tempo, contava com quatro – quando o número exigido pela Anvisa seria oito médicos para cuidar de 10 pacientes (a capacidade da unidade). Ciro Simoni relata que, para obter a autorização de funcionamento, o hospital mostrou contratos com uma empresa que garantiria os médicos na instituição:

– O contrato não vingou, mas só ficamos sabendo depois, quando começaram a acontecer as mortes. Aí decidimos intervir.

O chefe da Divisão de Assistência Hospitalar e Ambulatorial da SES, Marcos Lobato, foi a Canguçu ver a situação de perto. Apesar de não estarem prontos os relatórios da vigilância sanitária e da auditoria médica realizada na UTI, Lobato adianta:

– Por vários momentos a UTI não tinha nenhum médico. Apuramos também que, por vezes, o mesmo médico permanecia por 72 horas ininterruptas de plantão, o que é humanamente impossível.

Lobato reconhece que a boa vontade do hospital pode ter contribuído para a alta mortalidade: por ser nova, a UTI recebeu crianças em estado muito grave, com altíssimo risco de vida. O superintendente do Hospital de Caridade de Canguçu, Fernando Gomes, confirma que a UTI não recusava pacientes – o que contribuiu para elevar a estatística da mortalidade. Ele reconhece que faltaram médicos. Muitos dos cogitados desistiram ante a demora em abrir a unidade e por considerar o salário baixo.

Gomes diz que pagava R$ 1,5 mil por 24 horas de plantão médico e pretende oferecer R$ 2,5 mil quando a UTI reabrir. Esse dinheiro atrairá especialistas, mas tornará a UTI deficitária, já que o SUS tem pago apenas R$ 485 por paciente.

– Nós erramos, tentando fazer o bem da comunidade. Hoje não abriria com apenas dois médicos – desabafa Gomes.

A comoção causada em Canguçu gerou uma sessão especial da Câmara de Vereadores, promovida por Ubiratan Rodrigues (PP), e um inquérito aberto pelo Ministério Público Estadual para investigar as mortes. Quem conduz o procedimento é a promotora Camile Balzano de Mattos.

Apesar das investigações, o secretário Ciro Simoni não tem dúvidas de que a unidade Neonatal será reaberta:

– Vamos reabrir assim que tiver pessoal.


“Os bebês não sobreviveriam em outras UTIs”. O diretor técnico do Hospital de Caridade de Canguçu e idealizador da UTI Neonatal, pediatra Benhur Batista, 45 anos, falou esta semana a ZH sobre ad mortes dos bebês prematuros. A seguir, trechos da conversa. Colaborou Joana Colussi e Roberto Witter

ZH – O que aconteceu ?

Benhur – Eles morrem por ter tido uma gestação complicada. Nós recebemos crianças em situações extremas: com 28 semanas, com peso de um quilo. Até abrirmos a UTI, os prematuros daqui e da região eram levados para outras cidades, onde muitos morriam e não se tinha essa divulgação. Com a UTI funcionando, as mortes aconteceram aqui e isso chamou a atenção.

ZH – O índice de mortes da UTI está acima da média. Qual o motivo?

Benhur – Por dois motivos. Primeiro, recebemos crianças em situações extremas. Em segundo lugar, porque só funcionamos três meses, tempo insuficiente para se ter uma média.

ZH – Pais das crianças citam que existiam profissionais recém-formados. Pode estar aí um fator para a mortalidade?

Benhur – Realmente, temos um equipe jovem. Mas isso não interferiu na morte dos bebês. A meu ver, os bebês não sobreviveriam se fossem para outras UTIs. Cito um fato: a maioria dos óbitos foi de gêmeos. A literatura médica mostra que, com gêmeos prematuros, geralmente o menorzinho vai a óbito primeiro e o outro em seguida.

ZH – Dentro dessa realidade: equipe jovem, crianças em grau extremo de complicação. Havia o número de médicos suficiente para funcionar?

Benhur – Começamos com dois. Em janeiro estávamos com cinco médicos no trabalho, embora dois fossem esporádicos. Número insuficiente. Mas nunca faltou médico no plantão, devido ao excesso de horas em que fiquei aqui. O ideal era que tivesse um para cada plantão.

ZH – A UTI foi idealizada pelo senhor?

Benhur – Sim. Como médico, acompanhei prematuros em ambulâncias. Assisti à morte delas na estrada. Aquele episódio que aconteceu em Santa Vitória (mãe de prematuros levada por mais de 500 quilômetros) foi apenas um que veio a público. Situações semelhantes acontecem quase todos os dias. Daí ter idealizado a UTI.

ZH – A UTI será reaberta?

Benhur – Estamos nos organizando para voltar.

ZH – Se o senhor pudesse voltar ao passado, abriria a UTI com o mesmo número de médicos?

Benhur – Não.

ENTENDA O CASO - A UTI neonatal do Hospital de Caridade de Canguçu ganhou destaque com o drama da funcionária pública de Santa Vitória do Palmar Elisiane San Martin, 34 anos, que precisou esperar por dois dias e fazer uma viagem de mais de 500 quilômetros para dar à luz os filhos gêmeos, em outubro do ano passado. Com o episódio, a deficiência de leitos no Estado veio à tona e despertou para um entrave burocrático de quase nove meses. A UTI neonatal de Canguçu tinha a disponibilidade de 10 leitos e estava pronta para atendimento desde fevereiro de 2011, mas não funcionava porque aguardava a liberação do governo e o credenciamento para o atendimento via SUS. A liberação foi publicada no Diário Oficial da União ainda no mês de outubro, pouco tempo depois da divulgação na imprensa do caso Elisiane. A inauguração ocorreu no dia 13 de novembro, após aporte de R$ 150 mil por parte da Secretaria Estadual de Saúde. Em 28 de fevereiro, a Secretaria Estadual de Saúde fechou a UTI, após constatar a morte de bebês em índice bem superior à média estadual.

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