terça-feira, 17 de julho de 2012

GRIPE A: ESTRATÉGIA EQUIVOCADA E INJUSTIFICÁVEL

ZERO HORA 17 de julho de 2012 | N° 17133. ARTIGOS


Sami El Jundi*


Não canso de me surpreender com os esforços da tecnoburocracia estatal para justificar suas ações desastradas. Em “Vítimas da Gripe A: União investiga mortes no RS”, a representante do Ministério da Saúde (MS) deixa evidentes alguns aspectos preocupantes da estratégia ministerial de enfrentamento da epidemia de gripe A.

Em primeiro lugar, o MS definiu sua estratégia de vacinação com base em “grupos de risco”. Quando se trata de uma doença de contágio universal, é difícil falar em suscetibilidade para adquiri-la, pelo que o grupo do qual se fala é de risco para um evento grave, no caso, morrer da doença. Acontece que os óbitos são a ponta do iceberg de qualquer epidemia e, como até os pinguins sabem, não são indicativo do seu tamanho abaixo do nível da água. Para conhecê-lo precisa-se de outros indicadores, os quais não consta que tenham sido pesquisados.

A principal justificativa para o equívoco estratégico é que foram usados os dados da OMS. De fato, não é a primeira vez que os técnicos do MS afirmam que apenas seguiram as orientações dessa agência internacional de saúde que, por definição, lida com dados globais. Inevitavelmente me pergunto se não deveríamos substituir todos os técnicos do MS por tradutores, que não esquecerão das observações constantes de toda nota técnica da OMS, de que a aplicação das propostas ali contidas deve respeitar as especificidades locais, regionais e nacionais.

Mas o mais chocante da matéria de ZH é aquilo que toda a cidadania gaúcha constatou empiricamente: se com o aporte “extra” de doses se fecharia a taxa de vacinação de 80%, então as 500 mil iniciais só cobriram a metade dos indivíduos identificados como sendo de risco para morrer de gripe A. Ou seja, estratégia equivocada com logística insuficiente só pode terminar em guerra perdida, e com baixas evitáveis.

Portanto, não é preciso investigar os casos graves e os óbitos para mudar as estratégias, a não ser que o MS conte com a seleção natural a seu favor. De fato, as investigações das mortes parecem ter outro objetivo: identificar os casos que “não receberam o Tamiflu a tempo”. Ou seja, terceirizar a responsabilidade e atribuir aos médicos a demora em prescrever, ou aos pacientes a demora em procurar assistência. Afinal, as mortes não teriam ocorrido por falta de vacina, mas por erros da OMS, de médicos e de pacientes.

Não precisa ser médico para reconhecer o absurdo técnico, econômico e humano de estocar medicamento para tratar uma doença prevenível por vacina, disponível e mais barata. Portanto, a estratégia se chama vacinação universal. O resto é tentativa absurda de justificar o injustificável.*MÉDICO, PROFESSOR DE CRIMINALÍSTICA E MEDICINA LEGAL DA FACULDADE DE DIREITO DA UFRGS

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