quarta-feira, 3 de julho de 2013

MÉDICOS SAEM ÀS RUAS EM PROTESTO


ZERO HORA 03 de julho de 2013 | N° 17480

SAÚDE EM DEBATE

Manifestações na Capital e no Interior mostrarão insatisfação com a proposta de importar profissionais para suprir carências no país.



Contrários ao projeto do governo federal que prevê a vinda de médicos estrangeiros para atuarem em cidades do Interior, profissionais e estudantes devem realizar caminhadas e fazer paralisações nos atendimentos em Porto Alegre e em outros municípios.

A mobilização de hoje faz parte de um protesto nacional que requer também mais recursos na saúde e a implementação de uma carreira médica estatal, como a de juízes e promotores.

Vestidos de preto, em remissão ao luto pela atual política dos governos, manifestantes devem sair às ruas para expor a insatisfação com a ideia do Ministério da Saúde em abrir um edital, até o final deste ano, que permita a atuação de médicos estrangeiros no Sistema Único de Saúde (SUS) – sem a necessidade de realizar uma prova para a validação do diploma. No Rio Grande do Sul, deve haver mobilização na Capital e em cidades do Interior.

– O ponto central é mais verba para a saúde. Hoje, 4,4% do orçamento é destinado à saúde e o movimento nacional chamado Saúde + 10 tenta arrecadar 1,5 milhão de assinaturas para aumentar para 10%. Entendemos que é uma enganação ao povo dizer que falta médico no país. Em vez de fazer a carreira para médico e levar profissionais para o Interior, o governo aposta em uma mentira de que médicos estrangeiros irão resolver o problema – alega o presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Paulo de Argollo Mendes.

De acordo com o sindicato, a mobilização deverá paralisar consultas atendidas por médicos residentes do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e do Hospital Conceição, que serão reagendadas. Para entidades representativas, a existência de uma carreira aos moldes do Judiciário, onde os médicos que passarem em concurso seriam alocados em municípios afastados e, conforme o tempo de trabalho, migrariam para os grandes centros, seria uma das soluções para amenizar o déficit de profissionais nestas regiões. Além de alegarem que não faltam médicos, os manifestantes acreditam que a abertura de edital para profissionais de outros países, sem a aprovação em uma prova de conhecimentos, pode prejudicar a população no quesito qualidade do atendimento.

– Os sindicatos estão cobertos de razão. Estão querendo uma carreira e que se exija de médicos estrangeiros a prova que temos de fazer para trabalharmos em outros países. A pressão adianta, pode reverter este quadro – diz o médico e deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS), que defende a abertura de um concurso público nacional, em um prazo de um mês, para melhorar o atendimento nas cidades do Interior.

Em justificativa ao projeto que ainda está em estudo, a assessoria de imprensa do Ministério da Saúde explica que a medida de liberar os atendimentos por médicos estrangeiros só é cogitada por causa das vagas que restaram no Provab, programa que oferece pontos na prova de residência ao médico que se fixa em locais de carência de profissionais. Neste ano, das 13 mil vagas ofertadas, apenas 3 mil teriam sido preenchidas. É com a estimativa de que municípios do interior do país e periferias de grandes cidades precisam de cerca de 10 mil médicos, que o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, aposta na abertura emergencial do edital.

O diretor do Departamento de Gestão da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Felipe Proenço, afirma que este edital será uma outra possibilidade de ingresso dos profissionais no país, com atuação delimitada e temporária. O Revalida (prova federal de validação dos diplomas) possibilita o exercício da Medicina em qualquer localidade e pode tirar o foco de preencher as vagas em locais com carência do serviço.

– Já sabemos que tem um índice de profissionais insuficientes no país. Por meio do edital, os municípios deverão mostrar qual a necessidade. Vamos priorizar os profissionais brasileiros. Se não houver um preenchimento dessas vagas que estão ociosas, vamos avaliar a possibilidade de ingresso de médicos estrangeiros – explica.

Segundo Proenço, o Ministério está aberto para ouvir as reivindicações dos médicos expressadas em manifestações como as que devem ocorrer hoje, mas não concorda que elas prejudiquem o atendimento da população.

LETÍCIA COSTA


Por saúde, mas sem importação

Qual a posição a respeito da vinda de médicos estrangeiros dos manifestantes que tomaram as ruas do Brasil, pedindo reformas? Há de tudo um pouco, mas a maioria dos que se pronunciaram a ZH repudia a decisão, porque tiraria vagas dos brasileiros, no entender de ativistas.

Lucas Fogaça é militante do PSTU e um dos impulsionadores do Bloco de Lutas pelo Transporte Público, organização de ponta nas manifestações em Porto Alegre. Ele diz que a questão dos médicos tem sido debatida e, no PSTU, a posição é contrária à importação de profissionais.

– Não por serem estrangeiros, já que somos contra a xenofobia. Somos contra porque representaria um ataque aos direitos trabalhistas dos médicos brasileiros. É nítida a estratégia do governo brasileiro de trazer de países em crise ou com baixo poder aquisitivo profissionais que trabalharão por salário ínfimo, enquanto aqui os médicos tentam ser valorizados – justifica.

Fogaça diz que a bandeira do Bloco de Lutas a respeito desse assunto é reservar 10% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro para o setor de saúde. Já o PSTU defende a estatização total da medicina, bandeira que manifestantes de outros partidos questionam.

ZH consultou também um representante gaúcho do grupo de ciberativista Anonymous. O rapaz, um técnico em informática e estudante de filosofia, lembra que o site Anonymousbr (responsável pela organização nacional de ativistas), se posicionou contra a vinda dos médicos:

– Para que trazer gente de fora? Necessário é que os médicos brasileiros ganhem melhor.

No grupo Porto Alegre Vai Parar, que liderou manifestantes nos primeiras atos na Capital, era majoritária, nos pronunciamentos e nas bandeiras, a posição contra a vinda de médicos de fora. Eles sugeriam pagar melhor os brasileiros, para que sejam convencidos a trabalhar no Interior.
PELO ESTADO - As manifestações previstas para hoje

- Porto Alegre: 16h, no Museu de História da Medicina (Avenida Independência, 270). Caminhada até a Praça da Matriz
- Caxias do Sul: 16h, Monumento do Imigrante. Caminhada à Avenida Júlio de Castilhos
- Passo Fundo: meio-dia, em frente à faculdade de Medicina. Caminhada até a Secretaria Municipal da Saúde
- Pelotas: 16h30min, em frente à prefeitura.
- Rio Grande: 16h, na Furg
- Santa Maria: 14h, praça Saldanha Marinho
- Santa Cruz do Sul: 11h, praça Getúlio Vargas
Fonte: Fonte: Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers)

A DISCUSSÃO

A PROPOSTA DO GOVERNO
- O Ministério da Saúde afirma que a vinda de médicos estrangeiros é uma medida emergencial e que, se eles fizessem a prova de validação do diploma, poderiam atuar onde quisessem, inclusive em grandes centros, o que não seria ideal.
- O edital, que deve ser aberto neste ano, irá priorizar as cerca de 10 mil vagas para brasileiros. As restantes serão destinadas a estrangeiros. O salário será em torno de R$ 10 mil.
- Os estrangeiros receberão permissão especial para trabalharem temporariamente (no máximo três anos) em áreas mais carentes.
- Em vez da prova, serão avaliados e treinados por três semanas. Caso o desempenho não corresponda às expectativas, não seriam admitidos.
- Será exigida proficiência em português para os candidatos às vagas.
- Não há restrição a países e universidades de onde foram formados os estrangeiros. No entanto, o diploma deve ser reconhecido no país de origem e o país não pode ter menos médicos por habitantes que o Brasil. Esse critério exclui automaticamente países como Bolívia, Peru, Chile, Paraguai, Colômbia e Equador.
- O objetivo do ministério é priorizar médicos de Espanha e Portugal, por três questões: proximidade com a língua, ótimo índice médicos por habitantes e desemprego alto no país.

OS ARGUMENTOS CONTRÁRIOS
- Entidades da área da saúde alegam que o problema da saúde no Brasil não é a falta de médicos.
- Uma melhor remuneração, a reformulação da carreira médica e a melhoria da infraestrutura das unidades de saúde resolveriam a carência de médicos em áreas remotas.
- A extinção da exigência do Revalida – exame para validar diplomas de estrangeiros – é vista como uma abertura para que profissionais desqualificados atuem no SUS.

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