domingo, 14 de julho de 2013

O SUPLÍCIO DA SAÚDE NO BRASIL


ZERO HORA 14 de julho de 2013 | N° 17491


UM SISTEMA DOENTE


CAIO CIGANA E HUMBERTO TREZZI


Público ou privado, o sistema de saúde do país está doente. O suplício de não encontrar um médico ou leito para internação deixou de ser uma lamúria restrita à população carente, usuária dos SUS. Com o avanço da renda na década, quase 16 milhões de brasileiros passaram a contar com um plano de saúde.

A garantia de atendimento célere, entretanto, virou ilusão. Enquanto o número de clientes das operadoras aumentou 45%, a oferta de médicos pelas empresas não acompanhou a expansão e a estrutura de saúde. Na contramão, minguou. Pelo lado das entidades da categoria, há relatos até de descredenciamentos de médicos devido a queixas na remuneração dos planos – que seguem reajustados para os segurados, enquanto a qualidade do serviço cai.

– Em 10 anos, as mensalidades aumentaram 160% e os honorários, 50%. Há uma grande defasagem – reclama Márcio Bichara, secretário de saúde suplementar da Federação Nacional dos Médicos (Fenam).

Na saúde pública, repete-se o clamor por médicos e estrutura. Mas a raiz do problema não está na falta de profissionais, diagnóstico comum tanto das corporações médicas quanto de governos. Sustentam que apenas estão mal distribuídos, concentrados em grandes centros e ausentes no Interior e nas periferias – assim como a estrutura que permitiria um atendimento mais digno e rápido. Também admitem que há falta de vagas hospitalares e que o número tende a diminuir. Mas discordam em quase tudo no que se refere a soluções.

Os médicos tendem a defender melhores salários e a obrigação dos jovens concursados de irem ao Interior. Já o governo quer importar profissionais.

– Vários países importam médicos, qual o problema? É uma questão de oferta e procura. Mas as entidades de classe médicas são corporativas, querem apenas valorizar os ganhos dos seus representados, esquecendo que a saúde é um bem de todos – alfineta o diretor de Assistência Hospitalar e Ambulatorial da Secretaria Estadual de Saúde, Marcos Lobato, também médico.

Os governos entendem que a saúde básica deve ser reforçada, ao mesmo tempo em que os hospitais deveriam se especializar. Já a maioria das entidades de classe propugna aumento dos valores para internações, como forma de garantir a sustentação dos hospitais. E compra de aparelhos.

– Caneta e estetoscópio não significam atendimento. Qual médico gosta de trabalhar sem aparelhos, sem condições, tendo de fazer o paciente esperar meses? – diz Lobato.




REPÓRTER DA SAÚDE

Paciência para os pacientes do SUS

No Hospital Santa Clara, espera por atendimento pode chegar a 10 horas


CLEIDI PEREIRA

Na emergência do Hospital Santa Clara, que atende pelo SUS no Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, a palavra paciente não passa de um substantivo. Basta olhar para os lados. Mesmo lotada, a sala de espera tem cadeiras vazias e pessoas em pé – cena que demonstra a inquietação de jovens e idosos que chegam a aguardar mais de 10 horas por atendimento.

O único conforto que eles esperam é ouvir técnicos e enfermeiros anunciarem seus nomes ou de seus parentes, um sinal de que o martírio pode estar próximo do fim. O mar de gente se esparrama por bancos no pátio e pela calçada, onde moradores do Interior formam filas para pegar a condução e retornar para casa. Vai e vem que se intensificou nos últimos anos, fazendo do local o ganha-pão de muitos vendedores ambulantes.

Com dor no braço, enjoo e pressão alta havia três dias, a aposentada Henerina Weber de Aguiar, 84 anos, permaneceu 18 horas no hospital, entre triagem, consulta e exames. A idosa só foi liberada às 20h30min, com uma receita de medicação para evitar as náuseas e a recomendação de que procurasse um cardiologista para investigar “um probleminha” no coração. Acostumados com a demora no atendimento, parentes combinaram um rodízio para que a aposentada não ficasse desamparada.

– É brabo. A gente olha para os rostos dessas pessoas e lembra que elas produziram a vida toda e mereciam um tratamento melhor. Se a gente pudesse, pagava uma plano privado – lamenta o neto Maiquel de Aguiar Mariano, 35 anos, analista.

A família, de Cachoeirinha, teve que buscar atendimento para a idosa na Capital, pois o hospital do município alegou não ter estrutura para tratar da suspeita de problemas cardíacos. Quando a reportagem conversou com a paciente, ela aguardava o resultado de um exame, que estaria demorando, segundo os familiares, devido à queda no sistema do hospital.

– Eles me atendem bem, mas não precisava ficar esperando tanto tempo no corredor. Os médicos não dão conta, é (muita) gente – disse Henerina.

Apesar de ter 12 leitos de observação, o Santa Clara contava com cerca de 30 macas ocupadas na sexta-feira. No entanto, conforme a enfermeira líder da emergência, Louise Bandeira Chagas, o dia era de fluxo normal. Até aquele momento, 73 boletins de atendimento tinham sido registrados – a média diária é de cem a 120.

Com mais de 12 horas sem dormir, o técnico em enfermagem Patrick Soares Antunes, 36 anos, criticava a demora da equipe em avaliar a necessidade de cirurgia de sua mulher. Para as dores de Maria Inês, a solução temporária era morfina, mas para a revolta de Patrick o remédio era o desabafo:

– É horrível. Falta tudo, de material à boa vontade dos profissionais.


A ala privada

Pagar um plano de saúde nem sempre é garantia de atendimento melhor. Na sexta-feira, pelo menos em termos de insatisfação, havia equivalência nas emergências pública e privada da Santa Casa. Com dificuldades na fala, Valmor Azevedo da Silva, 58 anos, entregou um bilhete a repórter para expor sua indignação: “Que convênio este. Estamos desde o meio-dia aqui e não chamaram o meu parente. Que vergonha. Aqui, só morrendo”, eram os dizeres escritos a caneta no verso do cupom fiscal de um lanche feito às 16h5min e que custou R$ 7,50.

Morador de Guaíba, Valmor levou seu amigo de infância, que considera como irmão, o aposentado Adair José Rodrigues de Freitas, 59 anos, ao Centro Integrado de Emergências Médicas do Hospital Dom Vicente Scherer.

– Sou cardíaco, tenho problema de pressão e diabete. Estou com falta de ar e já passaram uns 20 na minha frente. É um desrespeito. Não venho mais aqui – afirmou Freitas, acompanhado da mulher, Zeloni.

Sentada ao lado de Freitas, Ana Helena Santos de Leão, 58 anos, em tratamento contra um câncer, aguardava atendimento havia três horas.

– Acho que tem pouco médico para atender a toda essa gente – palpitou sem saber que, ali, o número de profissionais é quatro vezes maior do que o da emergência da Santa Clara e o de pacientes, quase 20% menor.

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