sábado, 8 de outubro de 2011

MITOS EM TORNO DOS RECURSOS PARA A SAÚDE

EDITORIAL O GLOBO, 07/10/2011 às 18h13m


Uma das poucas vitórias importantes da sociedade, nos últimos anos, foi a extinção da CPMF, em dezembro de 2007. O Senado soube entender os clamores diante de uma carga tributária recorde no bloco dos emergentes - acima de 35% do PIB, mais, inclusive, que países desenvolvidos - e eliminou o imposto.

Pode-se dizer que o trabalho para restabelecê-lo foi iniciado logo em seguida. Enquanto isso, profecias apocalípticas para o setor, feitas antes da votação no Senado, eram repetidas. O fim da CPMF tirou da previsão orçamentária de 2008 estimados R$ 40 bilhões.

Nenhuma das profecias se realizou, emergências e hospitais públicos continuaram tão ruins como sempre. Depois, foi constatado que, ainda no primeiro semestre, o crescimento contínuo da arrecadação repôs aqueles R$ 40 bilhões "perdidos". Se o governo Lula não destinou o dinheiro para o SUS, é porque teve outras prioridades.

A ainda candidata Dilma Rousseff se disse contrária à volta da CPMF disfarçada de Contribuição Social para a Saúde (CSS) e contrabandeada para a regulamentação da Emenda 29, esta feita com o objetivo de acabar com desvios na aplicação dos recursos orçamentários constitucionalmente vinculados à Saúde.

Vitoriosa nas eleições, a presidente flexibilizou o discurso e procurou incentivar governadores - os que mais burlam a vinculação - a mobilizar bancadas a favor da ressurreição do imposto. Não quer se desgastar. Mas não é tarefa fácil para os governadores, dada a impopularidade da CPMF - como, de resto, dos impostos em geral.

Ainda na Câmara, em acordo entre os partidos, emenda do DEM retirou do projeto a base de cálculo da CSS. A CSS virou um fuzil sem munição. Mas o dispositivo de sua criação se encontra no texto enviado ao Senado. Basta aprovar-se a base de cálculo do imposto. O risco, portanto, continua, assim como o discurso da falta de recursos para a Saúde.

Porém, como revelou ontem O GLOBO, os números mostram outra realidade: a arrecadação cresce, mas os recursos para a saúde pública aumentam em velocidade mais lenta. Ou seja, como em 2008, no governo Lula, a defesa da capitalização do SUS e a crítica ao "subfinanciamento" do setor ficam nas palavras.

A prova: de janeiro a agosto, enquanto a coleta de impostos aumentou 18,8%, os gastos com Saúde subiram apenas 4,5%. Foi mais importante, por exemplo, nas prioridades oficiais, o salário dos servidores, cuja conta, no mesmo período, deu um salto de 10,3%.

Ampliou-se bastante a transferência de recursos para compor o superávit primário (135%). Mas aqui se trata de um requisito inexorável à estabilização da economia. Não ocorre o mesmo com outras rubricas nos gastos públicos.

A comprovada baixa prioridade que Brasília concede à Saúde, apesar do palavrório, tem de ser considerada no debate sobre o tal "subfinanciamento". Pode até ser que ele exista. Mas sem um estudo profundo desse enorme aparato burocrático - não bastam comparações com outros países -, sem a contabilização do que teria de ser gasto no sistema e é desviado para outras despesas, sem uma profunda reforma gerencial do SUS, não se pode garantir que o problema é falta de dinheiro. Logo, recriar a CPMF é mesmo uma irresponsabilidade.

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