sexta-feira, 14 de outubro de 2011

SAMU MUDA "PROTOCOLO" APÓS MORTE DE JOVEM

DECISÃO TARDIA. Morte de jovem faz Samu mudar atuação. Socorro foi negado porque colega não estava ao lado da universitária - ZERO HORA 14/10/2011

A morte da estudante de Enfermagem Gabriela Franciscatto, 22 anos, que não foi socorrida pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) da Capital porque o pedido de ajuda foi feito por uma colega que estava em Viamão, provocará mudanças no sistema. Rosane Mortari Ciconet, coordenadora do Samu na Capital, confirmou que o protocolo de atendimento pelo telefone 192 sofrerá alterações. Apesar de ser mantida a necessidade de que a própria pessoa ou alguém próximo ligue, a nova norma vai estabelecer que o médico do serviço de socorro, em algumas situações que serão definidas a partir de hoje, contate a paciente.

– Se ela não atender, ligaremos de novo para quem nos deu o telefone – esclarece Rosane.

Gabriela, que morava sozinha em um apartamento no bairro Cidade Baixa, sentiu-se mal – consequência de um Acidente Vascular Cerebral (AVC) – e teve o socorro médico negado pelo Samu porque a amiga que pediu ajuda não estava com ela.

Família de jovem autorizou doação de órgãos

Conforme Lorena da Silva, 40 anos, colega de Gabriela no curso de Enfermagem do Centro Universitário Metodista (IPA), a estudante ligou pelo menos quatro vezes para ela por volta das 11h de segunda-feira. Ao retornar as ligações, a jovem afirmou estar com muita dor de cabeça e não sentir um lado do corpo. Lorena tentou acalmá-la, pedindo para ela chamar o síndico do prédio ou amigas que estivessem mais próximas – já que não estava na Capital. Enquanto isso, Lorena ligaria para o Samu.

Ao telefonar para o serviço de atendimento, ela recebeu a informação de que nada poderia ser feito, pois o chamado deveria partir da própria vítima ou de alguém que estivesse ao lado dela – assim, o médico poderia avaliar a situação e enviar ajuda, se necessário.

Nervosa, ela ligou para Gabriela e voltou a pedir que ela chamasse ajuda de alguém que estivesse mais próximo e, caso não conseguisse, voltasse a ligar. Gabriela chegou ao Hospital de Pronto Socorro (HPS) apenas às 15h de segunda-feira, levada por amigos.

A jovem foi sepultada na manhã de ontem em Frederico Westphalen, no norte do Estado. Como era de seu desejo, foram doados o fígado, os rins, o pâncreas e as válvulas do coração. Conforme o tio da estudante Marcus Aurelio Franciscatto, o coração e o pulmão não puderam ser aproveitados por não haver receptores compatíveis.

Na terça-feira, decidiram autorizar a transferência da jovem do Hospital de Pronto Socorro para o Hospital Dom Vicente Scherer para que os órgãos pudessem ser encaminhados à doação. Ontem, o Conselho Regional de Medicina do Estado (Cremers) abriu sindicância para apurar a morte da estudante de Enfermagem.


ENTREVISTA - “Protocolos estão sujeitos a alterações, e é o que faremos”. Rosane Mortari Ciconet, coordenadora do Samu

Responsável pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência na Capital, a enfermeira Rosane Mortari Ciconet afirma que não houve negligência médica, mas admite mudança no atendimento. Confira trechos da entrevista concedida a Zero Hora:

Zero Hora – A morte da jovem levou à abertura de uma sindicância interna. Há indícios de falhas no atendimento?

Rosane Mortari Ciconet – Não. Queremos apenas esclarecer a situação. Não há indícios de negligência médica ou mau atendimento. O médico seguiu um protocolo que busca obter mais informações sobre a pessoa. Nesse caso, o protocolo prevê que a própria pessoa ligue ou alguém que está perto.

ZH – E se a pessoa não consegue ligar. É de se esperar que alguém que passe mal ligue para uma pessoa de confiança para pedir socorro. Nesse caso, a ligação de uma pessoa que está longe e descreve o quadro não é suficiente?

Rosane – Além de evitar deslocamento desnecessários, o protocolo serve para decidir que tipo de unidade será enviada, se uma básica, com enfermeiro, ou uma mais completa, uma UTI mesmo, com médico também. Por isso a importância do protocolo.

ZH – Mas a descrição do seguinte quadro “dor na cabeça e dormência em um lado do corpo”, como o relatado pela amiga da jovem não é suficiente para se mandar uma ambulância?

Rosane – Talvez se fosse uma pessoa mais idosa, mas em uma jovem, esses eventos, como um AVC (acidente vascular cerebral), são menos comuns. O médico não faz diagnóstico por telefone, mas avalia a situação.

ZH – Pedir para alguém que pode estar sofrendo um AVC fazer uma segunda ligação não parece estranho?

Rosane – Em alguns casos, recebemos ligações de pessoas com estresse, que estão com dormência e dor de cabeça porque brigaram com o namorado. É preciso ter as informações mais precisas possíveis.

ZH – Exatamente por não ser frequente, não despertou a atenção do médico que atendeu à ligação?

Rosane – A moça que ligou terminou a ligação concordando com a orientação de que alguém que estivesse perto ou a própria jovem ligasse. E a amiga não ligou de novo. Se caso não conseguisse alguém próximo, podia ter ligado de novo. Entre sua ligação às 11 da manhã e as 15h se passou um tempo.

ZH – Mas a amiga não ligou de novo para o Samu porque assim foi orientada pelo médico do Samu. Ela tentou outras formas de ajudar a jovem. Essa informação de que uma segunda ligação poderia ser feita não poderia ter sido repassada?

Rosane – Talvez.

ZH – Atualmente é comum as pessoas morarem sozinhas, longe da família, de forma especial, nos grandes centros urbanos. Nesse contexto, esse protocolo não parece obsoleto?

Rosane – Protocolos estão sujeitos a alterações e é o que decidimos fazer. Nestes casos, a orientação será pegar o telefone da vítima para que a gente mesmo faça a ligação para a vítima.

ZH – E se a pessoa não atender ou não conseguir dar informações sobre seu quadro clínico?

Rosane – Então será feita uma ligação para quem nos ligou primeiro.

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