sábado, 29 de outubro de 2011

O PARTO DOS GÊMEOS: UM CASO DE GESTÃO?

Renato Soares Gutierrez, médico, zero hora 29/10/2011

A jovem gestante e seus gêmeos peregrinaram mais de 65 léguas (ou 500 quilômetros) para um parto seguro e, apesar dos riscos, felizmente parece que passam bem.

De Santa Vitória do Palmar a Novo Hamburgo, passaram por várias cidades que deveriam dispor dos leitos especializados necessários. Mas ninguém tinha vaga.

A rigor, e quem conhece as condições dos órgãos de saúde sabe disso muito bem, essas “vagas” quase nunca existem, as instituições do SUS estão sempre lotadas, e os escândalos ocorrem, ou porque as pessoas chegam diretamente e são rejeitadas, ou porque são amontoadas até que um leito, por milagre, apareça.

No entanto, não se furtam as autoridades em continuar a tapar o sol com a peneira. Essa peneira, quase sempre, tem sido chamada de “gestão”.

Como a rede ambulatorial não tem definição de prioridades, nem protocolos de atendimento, nem definição de tecnologias e insumos, nem treinamento de pessoal, nem plano de carreira e nem profissionais em número suficiente (pelos ridículos salários); como o número de leitos continua a diminuir, sem que nenhuma das promessas se cumpra (Independência, Ulbra Álvaro Alvim etc.) – os leitos sempre vão abrir no mês que vem ou até o fim do ano –, é melhor que todos imaginemos que está faltando a tal de gestão.

Mas e os gestores, seriam eles preparados e competentes, e estariam a ser relegados nas instituições públicas? Pois eu digo aos leitores, eles existem em números estonteantes, assessores de todo tipo, cedidos, com cargos em comissão, exercendo nebulosas funções (para órgãos de saúde), luta contra o racismo, cultura popular, comitês de variadas definições e denominações, e assim por diante.

Entretanto, mesmo que os gestores e assessores de coisa nenhuma trabalhassem, o que eles fariam, em uma rede ambulatorial que se desagrega há mais de 20 anos (veja-se o Centro de Saúde IAPI, um dos mais equipados do Estado, hoje fantasmagórico)? E os gloriosos PAC, Planos de Aceleração do Crescimento, que não contemplam a construção de um único hospital público no Rio Grande do Sul? Que tal olharmos para os bilhões que serão gastos em estádios privados para alguns poucos jogos de futebol?

Aquela mãe, seus gêmeos e sua família, simbólicos do sofrimento das pessoas que não têm recursos para os extras da saúde privada, deveriam servir como bandeira de repúdio aos partidos políticos dominantes, que continuam, por anos e anos, a aplicar as mesmas inverdades sobre a saúde, uma prioridade mais do que desmentida, a começar pelos recursos que aparecem como por encanto quando o assunto interessa a determinados setores muito bem aquinhoados.

Os grandes negócios, esses, sim, são as prioridades, os impostos e, em especial, as isenções. O resto é pura encenação. Que, infelizmente, tem servido de engodo para a maioria dos eleitores, os cordiais brasileiros nutridos de pífias promessas que não se cumprem jamais, mesmo que embrulhadas em palavrório pomposo, tão ao gosto dos falsos intelectuais.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Brilhante exposição do Dr.Renato Soares Gutierrez. Concordo que não se trata de "caso de gestão", mas de negligência do Governador que deixa de investir em áreas vitais como saúde, educação e segurança para gastar dinheiro público em altos salários, cargos comissionados, transporte, propaganda e políticas eleitoreiras e midiáticas. Quem tem a difícil incumbência de fazer a gestão de saúde, educação e segurança tem de se virar com recursos minguados, desmotivação funcional, clima organizacional debilitado, falta de condições, estresse, alta demanda e sofrimento de pessoas que precisam dos serviços públicos.

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