sábado, 21 de maio de 2011

MÁFIA DOS REMÉDIOS CONSTRANGE CIDADE DO INTERIOR GAÚCHO

MÁFIA DOS REMÉDIOS. Fraude constrange Barão de Cotegipe - CARLOS WAGNER | BARÃO DE COTEGIPE - ZERO HORA 21/05/2011

A fama de ser o centro de esquema de desvio na Saúde incomoda os moradores. Mas não é a única preocupação: eles temem que o hospital continue fechado
A final do Gauchão era o assunto do fim de semana em Barão de Cotegipe, uma típica cidade agrícola da região de Erechim com 6,5 mil habitantes. Até o padre Valtuir Bolzan se envolvia nas discussões. Aflitos por uma vitória no Gre-Nal de domingo, os torcedores do Inter recorriam ao religioso, conhecido na cidade como Talismã Colorado, em busca de um milagre.

– Tenho um amigo que ressuscitou três dias depois de morrer, eu vou rezar e nós vamos sair vivos dessa. Pode apostar – respondia aos interlocutores.

A oração funcionou, mas o sacerdote e outros colorados mal tiveram tempo de comemorar. Ao amanhecer de segunda-feira, a Polícia Federal (PF) e a Controladoria-geral da União desembarcaram no município, prenderam suspeitos de integrar a Máfia dos Remédios e colocaram Barão de Cotegipe no epicentro de um escândalo nacional, dando à cidade uma projeção indesejada. Desde então, Bolzan precisou colocar o futebol em segundo plano. O assunto que tomou conta das rodas de conversa abateu a cidade.

– A justiça dos homens vai fazer o seu trabalho, eu farei o meu: vou curar as feridas abertas na minha comunidade – compromete-se o padre.

A passagem da PF mudou as reações dos moradores. Agora, eles andam de cabeça baixa e ficam envergonhados ao ver no noticiário do país as notícias sobre o esquema criminoso. Os agentes desmontaram um núcleo mafioso que teria se instalado em três empresas ligadas à distribuição de medicamentos e materiais hospitalares. E apontaram o maior benfeitor de Cotegipe, o empresário Dalci Filipetto, como cérebro do esquema ilegal que manipulava licitações para compra de medicamento pelas prefeituras e vendia remédios com o prazo de validade no fim. Como todos os outros 61 suspeitos presos, ele foi solto pela Justiça.

O maior impacto do escândalo se dá no Hospital Padre Estanislau Pollon, o único da cidade. A instituição foi comprada por Dalci Filipetto, numa sociedade com outras duas pessoas. Depois de um ano de reformas, o hospital estaria pronto para funcionar até junho. Mas o temor é que as suspeitas de uso da instituição para lavagem de dinheiro ameace a reabertura. É isso que irrita a população, como explica a agricultora Oneide Bertoni:

– Sou vizinha do Dalci há mais de 30 anos. Bati palmas quando ele comprou o hospital. Agora que fiquei sabendo que pode não abrir. Ele pensou na comunidade quando fez a compra?

O vizinho de Oneide soube da operação pelo rádio. Depois de ouvir a notícia, o agricultor Osvaldo Boscatto, 64 anos, teve um pensamento automático. Olhou para a mulher, Lurdes, e fez um comentário curto:

– Estamos lascados, o hospital da cidade não vai ser reaberto.

A dona de casa Sueli Borges, 44 anos, espera que Boscatto esteja equivocado na previsão. Com dificuldades de locomover as pernas, ela precisa recorrer quatro vezes por mês a Erechim até que a instituição volte a funcionar.

– Tinha esperança de que o hospital seria reaberto, mas depois dessa confusão toda, não sei como vai ser.

Parentes temem virar reféns do sobrenome

Uma mistura de constrangimento e indignação se espalhou entre as pessoas que têm o mesmo sobrenome dos suspeitos de envolvimento com a Máfia dos Remédios. Além de enfrentar a vergonha, precisam ouvir até pedidos de fornecedores para que antecipem a quitação de faturas.

– A vida se transformou em um inferno – comenta o comerciante Gilberto Três, que tem o mesmo sobrenome de Tarso Três, um dos suspeitos de envolvimento no esquema.

O comerciante explica que a família tem mais de 600 pessoas espalhadas pela região, mas os nomes citados no escândalo não são de seu núcleo familiar.

– Fui caminhoneiro muitos anos. Já recebi uma ligação lá do Norte, o amigo disse assim, em tom de brincadeira: “oh, gaúcho, está envolvido com os remédios?” – comenta.

As pessoas que têm o mesmo sobrenome do Dalci Filipetto, apontado como mentor da máfia, também protestam. O representante comercial Antonio Francisco Filipetto, 55 anos, foi chamado por sua empresa para dar explicações. Ele vende embalagens.

O episódio também constrangeu conhecidos de Dalci. O jardineiro Deoclides Rossi, 64 anos, cruzava pela frente da casa de Dalci Filipetto na manhã da operação. Foi chamado pela PF para ser testemunha. Ele respondeu:

– Não vou ser testemunha coisa nenhuma, eu conheço esse pessoal.

O jardineiro disse que a amizade com o Dalci permanece intacta. Por via das dúvidas, não cruza mais na frente da casa dele.

“Todos estão nervosos”. Vladimir Luiz Farina, prefeito de Barão de Cotegipe.

Como caminhoneiro, Vladimir Luiz Farina, 48 anos, correu o mundo, passou por situações difíceis e viu muito coisa, mas passa agora por uma de suas mais difíceis experiências. Prefeito de Barão de Cotegipe, ele teme que o episódio afete a economia local:

Zero Hora – Barão de Cotegipe é uma cidade de 6,5 mil habitantes. Como as distribuidoras de remédios acabaram se proliferando aqui ao ponto de existirem 15?
Vladimir Farinha – Há duas explicações. Uma deles é do povo. Falam que se deve à maneira de ser dos italianos, que se um vizinho faz um jardim, o outro logo copia e faz um melhor. A outra é o que realmente acontenceu. Os empregados saem da distribuidora e montam o seu próprio negócio.

ZH – Qual a contribuição das distribuidoras para a cidade?
Farina – Arrecadamos R$ 12 milhões anuais – sendo 30% da distribuição de medicamentos. Se houver o efeito-dominó, vamos perder muito.

ZH – O que o senhor chama de efeito-dominó?
Farina – O episódio desencadear o fechamento de todas elas. A situação já começa a trazer prejuízo para o comércio.

ZH – De que maneira?
Farina – A população deixou de comprar, todos estão temendo o que possa acontecer.

ZH – Há o temor que a polícia possa ampliar a operação e prender mais gente?
Farina – Não sei. Mas todos estão muito nervosos em relação ao que possa acontecer nos próximos dias.

Nenhum comentário:

Postar um comentário