terça-feira, 17 de maio de 2011

MÁFIA DOS REMÉDIOS SUGANDO VERBAS DA SAÚDE

MÁFIA DOS REMÉDIOS. Quadrilha sugava verba para saúde. Uma cidade gaúcha de 6,5 mil habitantes se transformou no epicentro de um esquema de desvio de verbas da saúde que se estendia para o norte do país. MARCELO GONZATTO, ZERO HORA 17/05/2011

Uma investigação da Polícia Federal (PF) e da Controladoria-geral da União (CGU) revelou que três grupos criminosos com empresas em Barão de Cotegipe desviavam dinheiro destinado à compra de medicamentos para famílias de baixa renda. Entre os suspeitos presos ontem se encontram 12 secretários ou ex-secretários municipais de vários Estados. Até o final da tarde, foram presos 58 empresários, representantes de empresas e servidores de um total de 64 mandados expedidos pela Justiça – seis suspeitos eram procurados.

Dos detidos, 24 foram localizados nos municípios gaúchos de Barão de Cotegipe, Erechim, Sarandi, Mariano Moro e Pinhal da Serra. Dois dos secretários municipais envolvidos seriam gaúchos, mas a informação não foi confirmada oficialmente pelo delegado da PF em Passo Fundo, Paulo Bulgos de Andrade. A chamada Operação Saúde também realizou prisões e cumpriu mandados de busca em Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia e Pará.

O inquérito teve início em 2007, quando surgiram suspeitas de que empresas se beneficiavam de licitações e vendas fraudadas em parceria com servidores de prefeituras. As investigações operacionais, iniciadas em 2009 com auxílio da CGU, indicaram que o principal alvo das quadrilhas era o dinheiro repassado da União para municípios comprarem e distribuírem medicamentos a famílias pobres. Apenas parte dos produtos comprados era entregue, ou o município pagava por lotes que jamais eram recebidos.

– Os grupos também forneciam remédios vencidos ou quase vencidos, em acordo com servidores municipais – revela o delegado Andrade.

A sede insuspeita dessa rede criminosa era a pequena Barão de Cotegipe, no Alto Uruguai, que se transformou em endereço da maior parte das empresas controladas por três grupos criminosos. Dois desses grupos tinham afinidade entre si, embora operassem separadamente, e um terceiro era concorrente. A PF ainda investiga a razão por que Barão de Cotegipe, que teria pelo menos 15 distribuidoras de remédios – uma para cada 433 habitantes –, concentrou esse tipo de fraude.

– Pode ser que inicialmente houvesse apenas um grupo, que se dividiu ou foi copiado pelos outros – avalia o delegado Andrade.

Para a máfia gaúcha alcançar Estados tão distantes como Mato Grosso, Rondônia ou Pará, as empresas contavam com o auxílio de representantes comerciais. Eles tinham a incumbência de contatar funcionários das prefeituras e avaliar se havia disposição para a montagem do esquema de fraudes. Se a prospecção resultasse favorável, faziam a articulação com os servidores, ajudavam a direcionar as licitações para beneficiar sua empresa e repartiam os lucros da venda irregular.

Em dois anos, os três grupos fizeram negócio com cerca de 450 cidades brasileiras, embora não exista prova de fraude em todos esses locais. A quantia de dinheiro que circulava entre as prefeituras e os empresários era alta: em 2009 e 2010, somente uma das três quadrilhas movimentou R$ 110 milhões. Algumas das empresas também negociavam equipamentos hospitalares, mas o grande alvo eram os medicamentos.

PROGRAMA DE FISCALIZAÇÃO DE PEQUENOS E MÉDIOS MUNICÍPIOS

Por sorteio - Foi o acaso que acionou a operação da PF. A abertura das investigações, iniciadas em outubro de 2009, foi decidida a partir das auditorias determinadas pelo Programa de Fiscalização em Pequenos e Médios Municípios a partir de sorteios públicos, da Controladoria-geral da União (CGU). Lançado em 2003, o programa utiliza o mesmo sistema de sorteio das loterias da Caixa para definir municípios e Estados que serão fiscalizados pela CGU quanto ao correto uso dos repasses de recursos federais. Já na 31ª edição, o programa fiscalizou a aplicação de R$ 13,8 bilhões de recursos públicos em 1.811 municípios (32,55% do total). Não há um calendário fixo para os sorteios, mas ocorrem pelo menos três por ano. Em cada um, são selecionados 60 municípios que receberão a visita de auditores da CGU.

OPERAÇÃO SANGUESSUGA - A exemplo de 2006

Desmantelada pela PF em 2006, na Operação Sanguessuga, a Máfia das Ambulâncias foi o maior esquema de fraudes contra a saúde pública já descoberto no país. Mais de R$ 100 milhões desviados, dezenas de parlamentares acusados e prefeitos envolvidos. Uma quadrilha negociava com assessores parlamentares a liberação de emendas ao Orçamento da União destinadas a municípios para a aquisição de ambulâncias. O grupo manipulava a licitação e fraudava a concorrência, valendo-se de empresas de fachada. Dessa maneira, superfaturava os preços da licitação obtendo valores até 120% superiores aos de mercado – o “lucro” era distribuído pelos golpuistas.

BARÃO DE COTEGIPE - Cidade sob o impacto de operação - MARIELISE FERREIRA

Barão de Cotegipe amanheceu estarrecida com as cenas que se desenrolavam. Dezenas policiais arrombavam portas de casas e empresas, deflagrando a Operação Saúde. O dia se encerrou com família inteiras presas e sete empresas com as portas fechadas.

– É um baque para nós, tanto pela questão financeira quanto pela emocional – disse o vice-prefeito Gladir Dariva.

Barão de Cotegipe tem na agricultura a principal fonte de receita (60%). Grande produtora de erva-mate, a cidade teve seu nome vinculado à marca de uma das ervas mais conhecidas do Estado.

Nas duas últimas décadas, um novo filão avançou na cidade, o das distribuidoras de medicamentos. Hoje são 15 empresas que distribuem remédios e equipamentos hospitalares para prefeituras e órgãos públicos do país, respondendo por 30% da receita do município.

Mesmo sem incentivo fiscal, a prefeitura viu triplicar nos últimos anos o número de empreendimentos no setor.

– Para nós, eram funcionários que saíam da empresa e montavam o seu próprio negócio, todos a partir de três empresas principais – conta Dariva.

Com sete empresas na mira da PF, Barão amarga uma publicidade negativa.

OS ENQUADRAMENTOS

Os suspeitos poderão responder, cada um conforme sua participação, pelos seguintes crimes: Corrupção ativa; Corrupção passiva; Fraude em licitações; Formação de quadrilha; Peculato e, possivelmente, conforme a PF, lavagem de dinheiro

Crime sem atenuantes - PÁGINA 10 | ROSANE DE OLIVEIRA

A corrupção é uma prática abjeta em qualquer área, mas o roubo de dinheiro destinado à saúde deveria ser considerado crime hediondo. O esquema desvendado pela Polícia Federal, que ontem cumpriu mais de 50 mandados de prisão, confirma que o problema da saúde do Brasil não é de falta de dinheiro, mas de desvios. Se servidores e até secretários ajudam empresários inescrupulosos a fraudar os cofres públicos pagando por medicamentos que nunca chegam – ou que estão no limite do prazo de validade –, é preciso que a punição seja exemplar para as duas partes.

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