quarta-feira, 4 de maio de 2011

TEORIA E PRÁTICA DE SAÚDE

No papel, o Brasil é exemplar. Segundo nossa Constituição, “saúde é direito de todos e dever do Estado”. Na realidade vivida por médicos e pacientes, contudo, percebe-se que estamos longe do acesso amplo e irrestrito a serviços e soluções de saúde comprovadamente eficazes, previstos pela Carta Magna.

Além das filas inSUStentáveis que já têm espera de anos, com grande dificuldade para agendamento de consultas com especialistas, quem sofre com doenças graves tem acesso limitado a soluções e tratamentos já aprovados pela Anvisa e que certamente aumentariam as chances de cura e digna sobrevida dos brasileiros. É uma contradição gigantesca, em que nossa Constituição permite o acesso da população às alternativas diagnósticas e terapêuticas mais desenvolvidas, de eficácia comprovada, porém, na prática, o que vemos é nosso paciente ter à disposição recursos não mais que africanos.

Como sabemos, essa não deveria ser a realidade de nosso país. Apontam-se, em princípio, dois motivos fundamentais para a situação que se instalou, inclusive em Estados economicamente mais desenvolvidos. Em primeiro lugar, a falta de regulamentação da Emenda Constitucional 29 acaba, na prática, permitindo que recursos já escassos destinados à saúde sejam desviados para outras áreas. Segundo, problemas crônicos de (indi)gestão do sistema de saúde geram gastos desnecessários, com alocação inadequada da verba disponível. Este é o caso, por exemplo, do atendimento a pacientes com artrite reumatoide, reumatismo de potencial explosivo à saúde, que atinge, segundo o Ministério da Saúde, um em cada cem brasileiros. Como a tabela de medicamentos do SUS não é atualizada, pacientes em tratamento no sistema público não conseguem receber algumas opções dos chamados medicamentos biológicos (abatacepte, rituximabe, tocilizumabe, para citar alguns que passaram pelo crivo da Anvisa), que podem melhorar significativamente sua qualidade de vida. Sem controle clínico correto da artrite, a consequência é o sofrimento das dores, o afastamento do trabalho e as cirurgias com próteses, com custos incalculáveis para a sociedade.

A falta de atualização na lista de medicamentos do SUS é a principal causa desta situação anacrônica, que leva à chamada judicialização da saúde. Como os medicamentos não estão disponíveis, os pacientes recorrem à Justiça “para fazer valer seus direitos”. Esta é uma prática que deveria ser utilizada apenas em casos excepcionais, mas que se tornou comum e que obriga o poder público a realizar compras emergenciais, a preços de mercado, estourando a previsão orçamentária.

No final de 2010, o governo instalou a Câmara Técnica de Reumatologia, com a missão de avaliar e revisar protocolos terapêuticos. Trata-se, parece, de uma demonstração de que o poder público está interessado em melhorar o atendimento aos pacientes reumáticos. Espera-se não seja apenas mais uma versão da antiga estratégia que nos remete a Maquiavel: “Para nada resolver, crie uma comissão”.

Enquanto isso, reumatologistas aprendem uma dupla jornada: sua melhor medicina para os pacientes, horas extras no autoaprendizado de brilhantes laudos judiciais. A quem interessa esta incursão médica na área do Direito?

Carlos Alberto Von Mühlen, Professor titular licenciado de reumatologia, imunologia e medicina interna da PUCRS - ZERO HORA 04/05/2011

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