segunda-feira, 1 de agosto de 2011

HOSPITAL FANTASMA, UM SÍMBOLO DO DESPERDÍCIO




Uma afronta ao já deficiente sistema de saúde do Estado está encravada em Barra do Ribeiro, a 56 quilômetros da Capital. Trata-se de um hospital concluído há 11 anos – equipado com 50 leitos e centenas de aparelhos – que jamais recebeu um único paciente. PAULO GERMANO, ZERO HORA 01/08/2011

Depois de uma incursão pelo labirinto de três quilômetros quadrados, parece deboche o cartaz na porta do berçário: “Por favor, silêncio no corredor.”

Desde que o hospital em Barra do Ribeiro ficou pronto, 11 anos atrás, é o silêncio a única presença na maternidade. E no bloco cirúrgico. E no laboratório. E também na sala de parto, na recuperação, no Raio X, na ecografia, no refeitório, na lavanderia e em todos os 12 quartos com 50 leitos.

Nunca nada disso funcionou. Está tudo equipado, são centenas de aparelhos que jamais operaram. Enquanto a rede de Porto Alegre se entope para receber pacientes de fora, o município de 12,5 mil habitantes na Região Metropolitana mantém um hospital fantasma, à deriva no km 3 da RS-709.

É uma obra sem pai nem mãe: prefeitura, governo estadual e União se revezam na troca de acusações para apontar responsáveis. O primeiro diz que não tem dinheiro, o segundo diz que o primeiro errou, o terceiro diz que a culpa é dos outros dois. E nenhum dos três sabe precisar quanto o hospital custou. A construção começou em 1986 – uma ideia do então governador Jair Soares para desafogar a demanda da Capital – e ficou pronta aos tropeços 14 anos mais tarde, com boa parte dos recursos doada por moradores de Barra do Ribeiro.

Era uma comunidade angustiada com a lentidão da obra. Centenas de doações foram recolhidas, mas o livro de ouro, comprado para registrar as contribuições, é tido como desaparecido pela administração atual. Estima-se que apenas a construção de um hospital como este, de porte pequeno, custaria hoje R$ 6,5 milhões.

– A verdade é que erguer um hospital de 50 leitos num município tão pequeno é um erro estratégico enorme – avalia o presidente do Sindicato dos Hospitais Beneficentes Religiosos Filantrópicos, Julio Dornelles de Mattos.

A única ala funcionando no prédio é um pronto-atendimento: apenas um médico e dois enfermeiros atendem pequenas lesões e encaminham à Capital os demais doentes. Zero Hora encontrou no local o aposentado Sebastião Gama, 76 anos, vítima do diabetes. Sua filha Ione contou que, em média quatro vezes por ano, ele é internado no Hospital Conceição, em Porto Alegre – só a prefeitura de Barra do Ribeiro transporta todo dia para a Capital 52 pacientes que poderiam ser atendidos ali mesmo.

Dois anos atrás, Sebastião ficou uma semana inteira dormindo em uma cadeira de rodas, no Conceição, antes de ter a perna esquerda amputada. Não havia leito vago. Em Barra do Ribeiro, município onde ele mora, havia – e ainda há – 50 leitos vazios.

Moradores doaram até vacas

Quem se lembra dos anos 80, em Barra do Ribeiro, diz que o hospital jamais sairia do chão sem o socorro da comunidade. Inconformado com a obra parada, o produtor rural Ely Barbosa iniciou um movimento oferecendo dois caminhões cheios de vacas, 100 mil tijolos e 1,5 mil metros cúbicos de areia. Doou tudo.

Na época, a prefeitura lamentava o esgotamento de um repasse estadual de 1987: 3 milhões de cruzados (hoje, R$ 611 mil) engolidos pela inflação antes da conclusão dos alicerces. Empresários e fazendeiros passaram a contribuir com cimento, imóveis, cavalos e lotes de terra.

– Tinha muita gente pobre dando o que hoje seriam R$ 200, R$ 500. Quem tocava a obra eram pequenas construtoras, sem licitações – diz o ex-prefeito Wilmar Bischoff.

A construção se arrastava com repasses esporádicos do Piratini e do Ministério da Saúde – a maior verba, de R$ 910 mil (hoje seriam R$ 2,9 milhões), veio em 1997, quando o ministro era o gaúcho Carlos Albuquerque. Ele se elegeria prefeito de Barra do Ribeiro três anos mais tarde, com a obra enfim concluída.

O hospital estava pronto, tinha 25 leitos, mas antes de abri-lo Albuquerque decidiu espichá-lo. Além de bom trânsito no Planalto, tinha convicção de que um hospital pequeno enfrentaria dificuldades para se sustentar. Construiu, então, área para mais 25 leitos. Morreu em 2005. E o hospital se revelou um elefante branco.

O TAMANHO DO ELEFANTE BRANCO: R$ 6,5 milhões é a estimativa de quanto custa apenas a construção de um hospital como este. R$ 1,1 milhão é a estimativa de custo mensal para manter este hospital em funcionamento. Fonte: Sindicato dos Hospitais Beneficentes Religiosos Filantrópicos do RS

O TAMANHO DE BARRA DO RIBEIRO: R$ 1,3 milhão foi tudo que o município arrecadou no mês de junho. R$ 324 mil é a média mensal do que o município consegue aplicar na área da saúde. Fonte: Prefeitura de Barra do Ribeiro

HOSPITAL PARA QUÊ? - Pacientes de Barra do Ribeiro que poderiam ser atendidos no próprio município alimentam a superlotação em Porto Alegre. Eles recorrem à Capital em ambulâncias e vans da prefeitura. Média do número de pacientes. Fonte: Secretaria da Saúde de Barra do Ribeiro

- 46 pessoas por dia deixam o município para realizar consultas, exames e cirurgias na Capital;
- 6 doentes por dia, em média, saem de Barra do Ribeiro em busca de internação de urgência em Porto Alegre;
- 7 pacientes por semana vão fazer sessões de hemodiálise em Porto Alegre ou Guaíba;
- 18 pessoas, por semana, vão a Guaíba para fisioterapia e procedimentos de traumatologia.

LEITOS EM QUEDA: Enquanto 50 vagas estão sobrando em Barra do Ribeiro, o número de leitos despenca no Estado. Em 17 anos, a população gaúcha cresceu mais de 14%, mas a oferta de leitos caiu, no mesmo período, quase 35%. Fontes: Núcleo de Pesquisa do Sindicato Médico do RS e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

- 1993 - população rs: 9.370.531; leitos: 35.061
- 2010 - população rs: 10.693.929; leitos: 22.840

Um comentário:

  1. E o dinheiro público vai esgoto abaixo. A saúde... nem se fala. Governos incompetentes

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